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IMPACTO HIDROLÓGICO E AMBIENTAL

DA HIDROVIA PARANÁ-PARAGUAI

NO PANTANAL MATOGROSSENSE, BRASIL


Um Estudo de Referência


Victor Miguel Ponce

San Diego State University


[Agosto 1995]

Versão em linha Agosto 2015

[Versão em Inglés]


SUMÁRIO EXECUTIVO
[Introdução]   [Descrição Geográfica]   [Rio Alto Paraguai]   [Impacto Ambiental]   [Sumário]   [Bibliografía]      [Arriba]  

São avaliados neste Relatório, os impactos hidrológicos e ambientais que o proposto projeto de navegação Hidrovia exercerá no Pantanal Matogrossense. O Pantanal é uma depressão sazonalmente inundada, caracteristicamente um banhado ou alagadiço, integralmente contido na Bacia do Alto Paraguai, e abrange uma área de 136,700 km2 nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no Centro-Oeste Brasileiro. O Projeto Hidrovia contempla melhorias nas condições de navegação ao longo do atual canal do sistema Paraná-Paraguai, o qual interliga cinco países sul americanos: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai, e Uruguai. O projeto considera extensas obras de engenharia fluvial, incluindo retificação de trechos de canal, dragagens, derrocamento de leito e outras intervenções de caráter estrutural, para tornar 3,442 km do rio navegáveis para embarcações oceânicas. A região afetada compreende desde seu ponto mais a jusante em Nueva Palmira, Uruguai, até o ponto mais a montante em Cáceres, Brasil, próximo às cabeceiras do Alto Paraguai. A questão em foco é o impacto que extensas modificações no canal do rio causarão no Pantanal Matogrossense, a maior extensão de pântanos (ou áreas alagáveis) remanescente no mundo.

As melhorias nas condições de navegação certamente vão provocar um impacto substancial no regime de cheias do Alto Paraguai. O grau desse impacto irá variar de pendendo do tipo, extensão e localização das intervenções ao longo do rio. Em particular, obras de retificação no canal a montante de Corumbá vão acelerar a concentração do escoamento e aumentar o pico da onda de cheia em Ladário, um ponto chave de referência no Pantanal, durante cheias médias altas (2 anos), extraordinárias (4 anos), e excepcionais (10 anos). O Alto Paraguai a montante de Porto São Francisco (localizado 146 km a montante de Corumbá) é incapaz, sem extensos aprofundamentos artificiais de canal, de acomodar embarcações oceânicas (requerendo pelo menos 3 m de calado) ao longo do ano. Atualmente, autodragagem, o processo natural de autolimpeza ou aprofundamento de leito do rio, proporciona uma profundidade mínima de 1.2 m, exceto onde afloramentos rochosos não permitem que a auto-dragagem se processe.

O perfil longitudinal do Alto Paraguai é convexo, quando observado de cima, revelando a presença de controles geológicos substanciais. Esses controles operam na forma de afloramentos rochosos nas margens ou soleiras rochosas no meio do canal. O Pantanal existe principalmente devido a esses controles geológicos, os quais influenciam os padrões regionais de escoamento em pelo menos três locais: Amolar, Porto da Manga e Fecho dos Morros. As soleiras rochosas funcionam como barragens naturais; se forem removidas, extensas áreas do Pantanal não serão mais sujeitas a inundações sazonais. O derrocamento das soleiras rochosas como meio de aprofundar o canal navegável causará um impacto irreversível na hidrologia do Alto Paraguai. Além disso, a remoção de uma soleira rochosa pode causar o aparecimento de outra, previamente submersa. Essa é uma possibilidade real no Alto Paraguai, onde tem sido documentada a ocorrência de afloramentos rochosos a cada 40 km em média, e onde as declividades prevalecentes no canal são tão suaves (en torno de 1-2 cm/km) que o efeito de remanso causado por uma obstrução de 0.5 m ao escoamento pode ser observado por cerca de 400 km a montante.

A aceleração da concentração do escoamento causada por melhorias nas condições de navegação irá intensificar a maioria das cheias anuais, poderá reduzir o período de retorno de secas multianuais, e poderá eventualmente, causar alterações climáticas regionais, no sentido de intensificar a aridez. O Pantanal existe porque suas características climáticas/ geológicas/ geomorfológicas o condicionam a reter água, sedimentos e nutrientes. O aumento da magnitude das cheias irá resultar em um aumento nas perdas de sedimentos e nutrientes.

A inundação anual de extensas áreas do Pantanal serve ao propósito duplo de controle efetivo do esgotamento das pastagens e reposição de nutrientes para o solo. Além disso, o pulso sazonal de cheia é instrumental na manutenção de extensos campos, desde que tipos de vegetação competitivas, particularmente as espécies lenhosas, não são bem adaptadas a alternância de saturação e ressecamento extremos.

Mudanças no regime hidrológico resultando em um aumento na intensidade das cheias e secas irão comprometer a reposição de nutrientes no Pantanal e conduzirão a um decréscimo na productividade biótica. Essas mudanças irão produzir uma sucessão de espécies lenhosas sobre as herbáceas, o que irá eventualmente, mudar o caráter dominante do Pantanal, de floresta mista de savana (ou savana parque) para floresta mésica. As áreas de campos abertos irão diminuir e a atividade pecuária será impactada negativamente.



1.  INTRODUCÃO
[Descrição Geográfica]   [Rio Alto Paraguai]   [Impacto Ambiental]   [Sumário]   [Bibliografía]      [Arriba]   [Sumário Executivo]  

O Pantanal Matogrossense é uma depressão inundada sazonalmente, totalmente contida na bacia do Alto Paraguai. Compreende uma área de 136 700 km2, distribuída nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no Centro-Oeste Brasileiro. O Pantanal é um imenso e biologicamente diverso alagadiço, posicionado geomorfologicamente e hidrologicamente para atenuar e reduzir o escoamento superficial da bacia do Alto Paraguai (Figuras 1 e 2).

O Projeto da Hidrovia Paraná-Paraguai, ora em proposição, comumente conhecido como o Projeto Hidrovia, envolve melhoramentos nas condições de navegação ao longo da atual hidrovia Paraná-Paraguai, a qual conecta cinco países da América do Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. Estudos de engenharia e impactos ambientais estão atualmente sendo financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Fundos para a construção do projeto podem ser considerados numa data futura.

Um estudo de viabilidade econômica realizado pela companhia brasileira Internave serve como referência para os estudos em andamento (INTERNAVE, 1990). O estudo da Internave considera extensas obras fluviais- no qual se incluem retificação de canal, dragagem e derrocamento de afloramentos rochosos através do uso de explosivos- para tornar 3442 km do rio navegáveis por embarcações oceânicas desde Nueva Palmira, Uruguai, até Cáceres no Mato Grosso. Considerando que o porto de Cáceres está localizado à montante do Pantanal, espera-se que o projeto tenha um impacto significante no mesmo.

Os aspectos físicos da Hidrovia proposta são uma fonte de preocupação significativa entre as populações indígenas, organizações ambientais, organizações não-governamentais (ONG's), associações profissionais, universidades e instituições de pesquisa no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Brasil, no continente Americano e no resto do mundo. Em jogo está o impacto que extensas modificações na calha do rio, as quais incluem retificação e aprofundamento do canal principal, causarão no Pantanal, o maior alagadiço remanescente no mundo (Alho et al., 1988). As características únicas dos ecossistemas do Pantanal são largamente reconhecidas, e a necessidade de sua preservação em termos intrínsecos e econômicos tem sido amplamente discutida em forums científicos, governamentais e políticos (EMBRAPA, 1986; Constituição Brasileira, 1988).

O Pantanal Matogrossense é caracteristicamente uma área alagável (Fig. A1). Portanto, um estudo do impacto causado pelo projeto proposto deve começar com o ciclo hidrológico, do qual derivam os outros ciclos naturais (ciclos de subelevações/denudação, de sedimentos e nutrientes). Dessa maneira, este estudo focaliza os impactos hidrológicos do projeto proposto da Hidrovia no Pantanal Matogrossense. Outros impactos ambientais, direta ou indiretamente relacionados com os impactos hidrológicos, também são considerados.

A complexidade dos ecossistemas do Pantanal não permite um estudo definitivo, particularmente devido ao fato que a miríade de interrelações abióticas/bióticas somente agora estão sendo examinadas em profundidade. Além disso, as principais características do projeto (localização, natureza e extensão das intervenções humanas no rio) ainda estão em processo de definição. Por isso este relatório tem o subtítulo:  Um Estudo de Referência. Como tal, ele deverá servir como um marco de referência para profissionais no governo, agências financiadoras, firmas de consultoria, organizações não-governamentais, universidades e outros interessados em reconciliar necessidades humanas com os mecanismos da natureza no contexto do Pantanal.

Fig. A1  O Pantanal Matogrossense, Mato Grosso, Brasil.
 O Pantanal Matogrossense Por favor, solicite o nome de usuário/senha em:  ponce.sdsu.edu


2.  DESCRIÇÃO GEOGRÁFICA
[Rio Alto Paraguai]   [Impacto Ambiental]   [Sumário]   [Bibliografía]      [Arriba]   [Sumário Executivo]   [Introdução]  

Esta seção estabelece os antecedentes geográficos para este estudo. Esta dividida em quatro subseções:

  1. A Bacia Hidrográfica do Paraná-Paraguai

  2. As Bacias Hidrográficas do Paraguai e Alto Paraguai

  3. O Pantanal Matogrossense

  4. O Projeto da Hidrovia Paraná-Paraguai.

Este estudo focaliza o impacto do projeto proposto da hidrovia Paraná-Paraguai no Pantanal Matogrossense, o qual se situa na bacia do Rio Paraguai, o tributário mais importante do sistema hidrográfico Paraná-Paraguai.


2.1  A Bacia Hidrográfica do Paraná-Paraguai

A bacia hidrográfica do Paraná-Paraguai é a mais importante do sistema do Prata em termos de descarga (75%) e área de drenagem (84%) (Bonetto, 1975). O sistema do Rio da Prata é o segundo maior de America do Sul, depois do Amazonas.

A bacia do Paraná-Paraguai drena uma região extensa, compreendendo 2,605,000 km2 no Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia (Fig. 1). Como seu nome indica, é composta de dois rios principais: o Paraná e o Paraguai. O rio Paraná é o maior dos dois, drenando 1,510,000 km2 (58%) da bacia. O rio Paraguai, drenado os 1,095,000 km2 restantes, é o tributário mais importante do rio Paraná.

Fig. 1  Localização geográfica dos rios Paraná e Paraguai.

A distribuição geográfica da bacia do rio Paraná é a seguinte: 59% no Brasil, 37.4% na Argentina e 3.6% no Paraguai. A distribuição geográfica da bacia do rio Paraguai é: 33.3% no Brasil, 33.3% no Paraguai, 16.7% na Argentina e 16.7% na Bolívia (Anderson et al., 1993). A bacia hidrográfica combinada dos rios Paraná-Paraguai drena uma parte significativa desses quatro países sul americanos (Fig. 1). O rio Paraná está dividido em três seções distintas (Bonetto, 1975):

  1. O Alto Paraná, das cabeceiras do rio Paraná nas vizinhanças de Brasília, até a confluência com o rio Paraguai.

  2. O Médio Paraná, da confluência com o rio Paraguai até o porto de Diamante, perto de Santa Fé, Argentina, uma distância de cerca de 700 km.

  3. O Baixo Paraná, de Diamante até o estuário do rio da Prata, uma distância de aproximadamente 400 km.


2.2  As Bacias Hidrográficas do Paraguai e Alto Paraguai

As cabeceiras da bacia do rio Paraguai estão localizadas na Serra de Tapirapuã, nas proximidades da Vila de Parecis, no estado de Mato Grosso (EDIBAP, 1979). Depois de escoar geralmente na direção Sul por uma distância de cerca de 2800 km, o rio Paraguai alcança o Paraná em Confluência, ao norte das cidades Argentinas de Corrientes e Resistencia (Fig. 1).

O rio Paraguai está dividido em três seções (Anderson et al., 1993):

  1. O Alto Paraguai, escoando através do Brasil, Bolívia e Paraguai, das suas cabeceiras até a confluência com o rio Apa, uma distância de 1873 km.

  2. O Médio Paraguai, escoando através do Paraguai e Argentina, da confluência com o rio Apa até a confluência com o rio Tebicuary, uma distância de 797 km.

  3. O Baixo Paraguai, atravessando o Paraguai e Argentina, da confluência com o rio Tebicuary até a confluência com o rio Paraná, uma distância de 130 km.

Os rios Pilcomayo e Bermejo, tributários do Médio e Baixo Paraguai, respectivamente, descem dos Andes para o Oeste (Fig. 1). Similarmente, os tributários orientais do Medio e Baixo Paraguai escoam sobre relevo montanhoso. O restante da bacia do rio Paraguai compreende uma imensa planície interior, com relevo extremadamente plano. Essa disposição geomorfológica peculiar causou a existência do Pantanal Matogrossense, um extenso grupo de alagadiços localizado integralmente na bacia do Alto Paraguai (Tricart, 1982).

O trecho Alto Paraguai é a seção mais a montante do rio Paraguai, das suas cabeceiras até a confluência com o rio Apa (Fig. A2). Esse último define a fronteira entre o Brasil (ao Norte) e Paraguai (ao Sul). A bacia do Alto Paraguai contém o Pantanal Matogrossense e suas cabeceiras, integralmente contidos em território brasileiro, e porções do Leste boliviano e Noroeste do Paraguai. Enquanto os limites precisos do Oeste da hacia são incertos (os Bañados de Izogog, no Leste da Bolívia), os limites ao Norte e ao Leste são definidos por cadeias montanhosas, todos no Brasil. Para o Leste, a bacia é limitada pelas Serras de Maracaju, Caiapó e Saudade; para o Norte pela Serra dos Parecis, e parcialmente pela Serra Azul. A bacia se situa entre 14o e 23o S, e 53o e 60o W (Fig. 2).

Fig. A2  Confluência do rio Alto Paraguai com o rio Apa, Mato Grosso do Sul.

Fig. 2  A bacia do Alto Paraguai e o Pantanal Matogrossense
(EDIBAP, 1979; Projeto RADAMBRASIL, 1982a&b).

A bacia do Alto Paraguai drena 496 000 km2, em duas regiões distintas (DNOS, 1974):

  1. A área a esquerda (Leste) dos rios Paraguai e Jauru, em território brasileiro, compreendendo 336,000 km2; metade dessa área está acima da altitude de 200 m.

  2. A área a direita (Oeste) dos rios Paraguai e Jauru, compreendendo 160,000 km2, dos quais 145,000 km2 estáo em território boliviano e paraguaio e os restantes 15,000 km2 estão no Brasil; 19% dessa área (31,000 km2) se encontram acima de altitude de 200 m).

Os principais tributários do Alto Paraguai são (Fig. 2):

  • Sepotuba,

  • Cabaçal,

  • Jauru,

  • Cuiabá, e seus afluentes, São Lourenço e Piquiri-Itiquira,

  • Taquari, e

  • Miranda, e seu afluente, o Aquidauana.

Outros tributários, fundamentalemente intermitentes, incluem o Negro, Aquidabã, Branco, Tereré e Amonguijá. Todos esses são tributários da margem esquerda, localizados integralmente no Brasil.

Com o propósito de referência, são mostradas na Tabela 1 as características hidrográficas selecionadas do Alto Paraguai. São mostrados na Tabela 2 os dados hidrológicos selecionados de estações hidrométricas ao longo do Alto Paraguai (Fig. 3). As declividades dos vales ao longo do Alto Paraguai e seus maiores afluentes são apresentadas na Tabela 3.

Fig. 3  Localização das estações hidrométricas ao longo do rio Alto Paraguai e afluentes (DNOS, 1974).

Pode ser observado na Tabela 1 que o Alto Paraguai é bastante sinuoso, particularmente à montante de Corumbá onde a sinuosidade, i.e., a proporção entre o comprimento do rio e o comprimento do vale, pode ser bastante alta. Como exemplo, o trecho compreendido desde 40 km à jusante de Porto Conceição até Refúgio das Três Bocas apresenta uma sinuosidades de 161 km/55 km = 2.92. A influência da sinuosidade nos melhoramentos para a navegação propostos é analizada na Seção 4.1.1.

Tabela 1.  Características hidrográficas selecionadas do rio Alto Paraguai.1
De Para Compri-
mento2
Compri-
mento3
Largura4 Área adjacente inundada5,6
(sinuoso)
(km)
(em linha reta)
(km)
(fluxo
baixo)

(m)
(fluxo
baixo)

(km2)
(fluxo
alto)

(km2)
(outros)
(km2)
Barra do Bugres Cáceres 280 122 100 30 200 20-150
Cáceres Confluência com Rio Jauru 71 33 150 8 120 -
Confluência com Rio Jauru Curva à montante de Descalvados 35 31 200 10 100 -
Curva à montante de Descalvados Boca do Bracinho 46 28 250 10 90 -
Boca do Bracinho Barra do Bracinho 63 30 120 - - 330
Barra do Bracinho 40 km à jusante do Porto Conceição 83 41 150 - - 14007
40 km à jusante do Porto Conceição Refúgio das Três Bocas 161 55 80-200 - - 14007
Refúgio das Três Bocas Amolar 29 18 300-400 - - 50
Amolar Confluência com Riacho da Mandioré 46 30 300-500 280 700 600
Confluência com Riacho da Mandioré Porto São Francisco 14 8 300-500 - 50 70
Porto São Francisco Corumbá 146 71 300-400 76 280 410
Corumbá Confluência com Taquari Velho 41 35 300 15 120 50
Confluência com Taquari Velho Porto Esperança 100 63 250-400 30 390 300
Porto Esperança Confluência com Rio Negro 126 97 300-450 50 450 -
Confluência com Rio Negro Barra do Nabileque 162 92 300-500 50 400 -
Barra do Nabileque Confluência com Rio Apa 174 128 350-600 90 700 -
1 Fonte:  DNOS (1974) e DNAEE. 2 Ao longo do rio. 3 Em linha reta. 4 Largura da calha do rio.
5 Área inundada adjacente à calha do rio, em fluxo baixo, fluxo alto, e outras áreas vizinhas.
6 Estimada durante o período da seca de 1966-73. 7 Compartilhado.

A Tabela 2 mostra que a diferença entre os níveis d'água máximos e mínimos observados ao longo do Alto Paraguai é menor em Descalvados (2.61 m), permanecendo reduzida (menos de 3.5 m) por cerca de 200 km a jusante (em Porto Conceição a diferença é de 3.28 m; em Bela Vista do Norte, é de 3.27 m). Isso indica a presença de substancial transbordamento de calha no Alto Paraguai entre Descalvados a Bela Vista do Norte.

Tabela 2.  Dados hidrológicos selecionados nas estações hidrométricas
ao longo do rio Alto Paraguai.1

Estação Área de drenagem 3 Zero da régua 4 Níveis de água observados
(km2) (m) Mínimo (m) Máximo (m) Diferença (m)
Alto Paraguai 780 - 0.30 4.00 3.70
Barra dos Bugres 10,240 - 0.28 5.54 5.26
Porto Estrela 12,770 - 0.95 6.18 5.23
Cáceres 33,860 109.34 0.75 4.792 4.04
Descalvados 48,360 98.70 2.30 4.91 2.61
Porto Conceição - 91.48 2.07 5.356 3.28
Bela Vista do Norte - 87.48 2.32 5.592 3.27
Refúgio das Trés Bocas - 84.65 3.4 8.506 5.01
Amolar - 85.46 2.17 7.022 4.85
Porto São Francisco 243,0005 83.06 2.06 8.256 6.19
Ladário - 82.15 -0.61 6.62 7.23
Porto da Manga 316,0005 78.58 1.54 9.067 7.52
Porto Esperança 363,5005 79.66 -1.30 5.956 7.25
Forte Coimbra - 78.90 -1.99 4.672 6.66
Barranco Branco 453,000 72.45 0.19 7.846 7.65
Fecho dos Morros 470,000 71.75 0.03 6.372 6.34
Porto Murtinho 474,500 70.75 0.73 7.75 7.02
1 Fonte:  DNOS (1974) and DNAEE. 2 Fonte: Hidrologia S.A.(não-publicada).
3 Se não mostrada, a área não pode ser precisamente definida. 4 Não disponível se não mostrado.
5 Pequena porção não pode ser definida precisamente.
6 Máximo conhecido (marca d'água da cheia de 1959). 7 Máximo conhecido (marca d'água da cheia de 1905).

A Tabela 3 mostra que as declividades dos vales na bacia do Alto Paraguai decrescem gradualmente, de 15-50 cm/km perto das serras ao Norte, Leste e Sul, para 7-15 cm/km ao longo dos maiores tributários, e para 0.7-6.5 cm/km ao longo do rio Alto Paraguai. Isso revela que o Alto Paraguai constitui um nível de base regional para as vazões de seus tributários ao Leste.

Tabela 3.  Declividade do vale ao longo do rio Alto Paraguai e seus maiores tributários.1
Corrente De Para Declividade
do vale
(cm/km)
Alto Paraguai Descalvados Porto São Francisco 5.0
Porto São Francisco Porto da Manga 6.5
Porto da Manga Barra do Nabileque 2.6
Barra do Nabileque Porto Murtinho 0.7
Cuiabá Retiro Biguaçal Confluência com o Rio Piquiri 7
Confluência com o Rio Piquiri Porto Alegre 11
Porto Alegre Confluência com o Rio Paraguai 8
São Lourenço Saída do Vale São José do Borireu 45
São José do Borireu Foz do Dois Irmãos 12
Piquiri Confluência Itiquira-Correntes Confluência com o Rio Pindaíval 20
Confluência com o Rio Pindaíval Confluência com o Rio Cuiabá 18
Taquari Coxim São Gonçalo 45
São Gonçalo Porto Rolon 32
Porto Rolon Porto da Manga 17
Aquidauana Aquidauna Porto Ciríaco 36
Porto Ciríaco Confluência com o Rio Miranda 17
Miranda Estrada MT-738 Miranda 50
Miranda Tição de Fogo 32
Tição de Fogo Confluência com o Rio Paraguai 15
1 Fonte:  DNOS (1974).


2.3  O Pantanal Matogrossense

O Pantanal Matogrossense é uma depressão sazonalmente inundada, totalmente contenida na hacia de drenagem do Alto Paraguai, compreendendo aproximadamente 136700 km2 (Projeto RADAMBRASIL, 1982a,b). O Pantanal está posicionado geomorfológica e hidrologicamente para atenuar e reduzir o escoamento superficial da bacia. Tricart (1982) afirmou que as serras ao Sul do Pantanal "estrangulam" o vale do Alto Paraguai próximo ao local onde o rio sai do território brasileiro. Significativamente, essa característica geomorfológica é referida localmente como Fecho dos Morros (Fig. A3). O Pantanal é um imenso reservatório natural, recebendo vazões distribuídas oriundas do Alto Paraguai e seus afluentes, e as concentrando no escoadouro da bacia, a confluência com o rio Apa, cerca de 100 km à jusante de Fecho dos Morros.

Fig. A3  Vista aérea do rio Alto Paraguai em Fecho dos Morros, Mato Grosso do Sul (Google Earth®).

Grande parte do Pantanal é inundada somente durante as cheias anuais do Alto Paraguai e seus tributários, e muita terra firme não-inundada está entremeada na região. A mistura de áreas permanentemente aquáticas, sazonalmente aquáticas e não-inundaveis, assim como a proximidade do Pantanal a grandes biomas sul americanos (a floresta úmida Amazônica ao Norte e Noroeste, as savanas sub úmidas do Brasil Central ao Leste, a floresta úmida Atlântica ao Sudeste e a floresta arbustiva semiárida dos fronteiriços Bolívia e Paraguai a Oeste e Sudoeste) condicionaram a exuberância e variedade da sua vegetação e clima (Prance e Schaller, 1982). Dessa maneira, os ecossistemas do Pantanal mantêm uma fauna rica e diversa, incluindo numerosas espécies de mamíferos, répties, peixes, pássaros, borboletas e outros invertebrados (Brown, 1986).

O nome Pantanal Matogrossense tende a distorcer o fato de que a depressão da bacia do Alto Paraguai consiste não de uma mas de várias regiões sazonalmente inundadas, distintas umas das outras; dai o nome Planícies e Pantanais Matogrossenses (Fig. A4).

Os seguintes pantanais foram identificados pelo Projeto RADAMBRASIL (1982a,b) (Fig. 4): Corixa Grande-Jauru-Paraguai, (2) Cuiabá-Bento Gomes-Paraguaizinho, (3) Itiquira-São Lourenço-Cuiabá, (4) Paiaguás, (5) Taquari, (6) Jacadigo-Nabileque, (7) Miranda-Aquidauana, (8) Negro, (9) Tarumã-Jibóia, (10) Aquidabã, (11) Branco-Amonguijá, e (12) Apa.

Alternativamente, Adámoli (1981) classificou o Pantanal Matogrossense em dez pantanais: (1) Cáceres, (2) Poconé, (3) Barão de Melgaço, (4) Paiaguás, (5) Nhecolândia,(6) Aquidauana, (7) Paraguai, (8) Miranda, (9) Nabileque, e (10) Abobral.

Fig. 4  Planícies e pantanais Matogrossenses (Projeto RADAMBRASIL, 1982a&b).

Fig. A4  O Pantanal Matogrossense nas vizinhanças de Corumbá, Mato Grosso do Sul.

As características peculiares dos pantanais levaram ao uso da terminología regional para descrever suas características geomorfológicas mais acentuadas, como baías, baixadas, barreiros, salinas, córregos, capões, cordilheiras, vazantes e corixos. Segue-se uma breve descrição de cada termo:

  • As baías são áreas baixas de forma circular, semicircular ou irregular, algumas vezes salinas, contendo água parada na estiagem e com ou sem correnteza na cheia; suas dimensões variam de dezenas a centenas de metros.

  • As baixadas são porçõoes das baías sujeitas a inundação sazonal (Silva, 1990).

  • Os barreiros são baías que têm água periódica ou sazonalmente (Valverde,1972).

  • As salinas são lagos com água salina; durante a estação seca são cobertas com encrustrações de sal, e são em sua maioria, desconectadas das baías inundadas sazonalmente (Silva e Pinto-Silva, 1989) (Fig. A5).

  • Os córregos são pequenos cursos d'água (Carvalho, 1986).

  • Os capões são morrotes cobertos de vegetação, de vários tamanhos, e de forma aproximadamente circular ou elíptica (Ponce e Cunha, 1993).

  • As cordilheiras são pequenas elevações de terreno localizadas entre as baías, com elevações médias de cerca de 2-3 m sobre o nível da água das baías. Embora sejam normalmente secas, são sujeitas a inundação durante cheias excepcionais. As cordilheiras servem como áreas seguras para a localização de malhadas para o gado, e como um refúgio para os rebanhos durante cheias extraordinárias e excepcionais.

  • As vazantes são largas depressões situadas entre as cordilheiras, não apresentando um canal claramente definido (Carvalho, 1986). Durante a estação de cheias, essas depressões drenam riachos intermitentes, se estendendo por vários quilômetros. Todavia, muitas vazantes são perenes, revelando a presença de uma substancial vazão de subsuperfície.

  • Os corixos, ao contrário das vazantes, são pequenos cursos d'água permanentes, conectando baías adyacentes com canais mais estritos e muito mais profundos. Quando o corixo é longo, e tem uma seção transversal bem definida, é chamado de corixão (Carvalho, 1986).

As características de diversos pantanais que constituem o Pantanal Matogrossense são descritas pelo Projeto RADAMBRASIL (1982a,b) e Silva (1986). Os solos e padrões de inundação (níveis de cheias) do Pantanal são descritos pelo Projeto RADAMBRASIL (1982a,b)e Amaral Filho (1986).

Fig. A5  Vista aérea das salinas nas vizinhanças do Rio Negro, Mato Grosso do Sul (Google Earth®).

2.4  O Projeto da Hidrovia Paraná-Paraguai

O sistema da bacia do Paraná-Paraguai compreende uma região extensa do continente sul americano, contida na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. O vizinho rio Uruguai drena porções da Argentina, Brasil e Uruguai. A confluência desses dois rios se situa próxima ao porto de Nueva Palmira, Uruguai (Fig. 1). Os rios Paraná-Paraguai e Uruguai são os maiores tributários do sistema da bacia do Prata.

Mais de 20 milhões de pessoas vivem na bacia do Paraná-Paraguai. Há séculos, esse sistema fluvial tem sido usado como uma hidrovia para transporte. Em Fevereiro de 1995, BID e o PNUD comissionaram uma série de estudos de engenharia e impacto ambiental ao longo de 18 meses, com o fim de avaliar o potencial de melhorias para a navegação na hidrovia existente. Esse estudo inclui a possibilidade de extensas obras de engenharia tornarem 3,442 km do rio navegáveis para embarcações oceânicas, de Nueva Palmira a Cáceres. Desde que o porto de Cáceres está localizado à montante do Pantanal Matogrossense, os impactos de curto e longo prazos causados pelos melhoramentos porpostos para a navegação devem ser claramente definidos antes de implementaçáo do projeto.

O projeto é comunmente referido como o projeto Hidrovia, uma vez que "Hidrovia" tem o mesmo significado nas línguas portuguesa e espanhola. Os propósitos declarados do projeto Hidrovia são os de aumentar o atual transporte fluvial via melhoramentos em portos existentes, canais e infraestrutura de navegação e construir uma hidrovia navegável durante todo o ano,ao longo de 3442 km. Esses esforços estão sendo planejados em dois estágios:

Fase 1 (Módulo A): Intervenção de Curto Prazo

Essa fase compreende as melhorias de suporte à navegação e as ações requeridas de engenharia fluvial,aí incluídas dragagem e trabalhos correlatos, ao longo de 80% do trecho proposto no projeto. A região afetada se estende do porto de jusante, Nueva Palmira, ao porto de montante, Corumbá/Ladário no Brasil, e o vizinho Puerto Quijarro, na Bolívia.

Fase 2 (Módulo B): Intervenções de Médio e Longo Prazos

Essa fase contempla as melhorias na infraestrutura de suporte à navegação e as ações requeridas de engenharia fluvial, com dragagem, modificações de canal e outras importantes intervenções no rio, ao longo, da extensão total do trecho proposto pelo projeto (3442 km), de Nueva Palmira a Cáceres.

A agência executiva para o projeto Hidrovia é o Comitê Intergubernamental de la Hidrovía (CIH, Comitê Intergovernamental da Hidrovia), estabelecido em 1990 pelos Ministros de Obras Públicas e Transportes da Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. A sede do CIH se situa em Buenos Aires, Argentina.

Até esta data, o único documento abrangente com detalhes suficientes do projeto Hidrovia é o relatório da Internave, comissionado pela extinta Empresa de Portos do Brasil (PORTOBRÁS), e completado em 1990 pela companhia brasileira de mesmo nome (INTERNAVE, 1990). Esse relatório é basicamente um estudo de viabilidade econômica do projeto Hidrovia. Como tal, o estudo apresenta projeções de benefícios econômicos para justificar os custos envolvidos na implementaçã do projeto.

O relatório da Internave tem sido criticado pelas projeções muito otimistas dos benefícios (CEBRAC/ICV/WWF,1994). O BID rejeitou formalmente o estudo da Internave e irá usar o estudo de vibilidade da Fase 2, atualmente em execução, para recalcular custos e benefícios (Lammers et al., 1994). Todavia, as descrições físicas contidas no relatório da Internave, as quais incluem retificação de canal, dragagem, derrocamento de afloramentos rochosos e outras intervenções estruturais no rio, algumas das quais irreversíveis, permanecem como causa de preocupações significativas entre diversos segmentos das comunidades locais, nacionais e internacionais. Esses incluem organizações ambientais, organizações não-governamentais (ONG's), associações profissionais, universidades e instituições de pesquisa científica no Brasil, no continente Americano e no resto do mundo.

A retificação de canal através de realinhamento a cortes, dragagem e explosão de soleiras rochosas estão sendo considerados para melhorar as condições de navegação ao longo da hidrovia. Em particular, os Termos de Referência dos estudos de engenharia da Fase 2 (Módulo B-1), sob a Seção 1-Propósito, definem a seguinte tarefa (Numero 4), entre outras sete (IBD, 1995, p.2):

"O desenvolvimiento de um projeto preliminar de alternativas para melhoria das condições da hidrovia, incluindo dragagem, derrocamento de leito, retificação de canal, estabilização de canal navegável, regularização dos recursos hídricos e qualquer estructura para navegação que seja considerada pertinente."

A extensão dessas intervenções e seus possíveis impactos no regime hidrológico do Pantanal Matogrossense será melhor conhecida pela segunda metade do ano de 1996, quando os estudos ora em andamento forem completados. O BID tem afirmando que poderá não financiar o projeto Hidrovia através do Pantanal se sérios impactos ambientais forem antecipados (Lammers et al., 1994). Dessa forma, o presente estudo é uma contribuição para uma avaliação e interpretação adequadas desses impactos.

O relatório da Internave lista as várias locações geográficas ao longo do projeto Hidrovia, começando do porto de Buenos Aires (km 0), progredindo para montante até o porto de Cáceres (km 3,442). Para fins de referência, uma lista resumida de locações relevantes ao presente estudo é mostrada na Tabela 4. Pequenas diferenças entre distâncias ao longo do rio nas Tabelas 1 e 4 refletem as diferentes fontes para as mesmas: DNOS (1974) e INTERNAVE (1990).

Tabela 4.  Lista de locais ao longo da Hidrovia Paraná-Paraguai.1
Localização 2 Km
A jusante do rio Alto Paraguai
Buenos Aires, Argentina, porto de 0
Diamante, Argentina, porto de 533
Santa Fé, Argentina, porto de 592
Corrientes, Argentina, porto de 1,208
Confluência (confluência dos rios Paraná e Paraguai) 1,240
Rio Bermejo, no Baixo Paraguai, embocadura do 1,321
Rio Tebicuary (fronteira entre o Baixo e Médio Paraguai), embocadura do 1,381
Rio Pilcomayo, no médio Paraguai (fronteira entre Argentina e Paraguai), embocadura do 1,619
Assunçáo, Paraguai, porto de 1,630
Ao longo do rio Alto Paraguai
Rio Apa, fronteira entre Paraguai e Brazil, embocadura do 2,172
Porto Murtinho 2,235
Tarumã, Passo 2,251-52
Fecho dos Morros 2,271-73
Barranco Branco 2,322
Rio Nabileque, embocadura inferior 2,344
Rebojo Grande, Passo 2,538-40
Coimbra, Passo 2,553-54
Forte Coimbra 2,561
Piuvas Inferior, Passo 2,573-74
Piuvas Superior, Passo 2,577-78
Conselho, Passo do, início 2,607
Rio Nabileque, embocadura superior 2,607
Conselho, Passo do, fim 2,609
Porto Esperança 2,628
Ponte Eurico Dutra 2,630
Figueirinha, Passo 2,633-35
Rio Miranda, embocadura do 2,662
Porto da Manga 2,686
Miguel Henrique, Passo 2,712-15
Formigueiro, Passo, início 2,722
Velho rio Taquari, embocadura do 2,723
Formigueiro, Passo, fim 2,724
Rabicho, porto de 2,740
Ladário 2,755
Corumbá, porto de 2,762
Canal Tamengo, embocadura do 2,762
Faia, Passo 2,803-04
São Francisco, Passo 2,906-07
São Francisco 2,908
Rufino, Passo 2,937
Piuva Inferior, Passo 2,952
Piuva Superior, Passo 2,954-56
Amolar, Passo, início 2,961
Lagoa Mandioré, embocadura do 2,963
Amolar, Passo, fim 2,963
Amolar 2,96
Cuiabá river, embocadura do 2,988
Refúgio das Três Bocas 2,994
Ponta do Morro (saída do Lagoa Gaíba) 3,030
Lagoa Gaíba, entrada da 3,034
Bela Vista do Norte 3,047
Porto Conceição 3,182
Japuira, Passo 3,267-68
Descalvados, Passo 3,301-02
Descalvados 3,303
Paratudal, Passo 3,310
Presidente, Passo 3,320
Morro Pelado, Passo 3,322-24
Baia das Eguas, Passo 3,332-33
Corichão, Passo 3,335-36
Baiazinha, Passo 3,340-43
Beicudo, Passo 3,345-46
Barranco Vermelho, Passo 3,349
Soldado, Passo do 3,350-52
Tucum, Passo 3,356-57
Bote, Passo 3,359-60
Cambara, Passo 3,360-62
Jauru Pass, início 3,363
Old Jauru River, embocadura 3,365
Jauru, Passo, fim 3,366
Acuri, Passo 3,366-68
Simão Nunes Inferior, Passo 3,372-73
Simão Nunes Superior, Passo 3,375-77
Passagem Velha, Passo 3,403-06
Retiro Velho, Passo 3,411-12
Cáceres 3,441
Cáceres, porto de 3,442
1 Fonte:  INTERNAVE (1990).
2 Nomes em negrito correspondem às estações fluviométricas listadas na Tabela 2.

Fig. A6  Amanhecer no Pantanal Matogrossense perto do Rio Cassanges, Mato Grosso.


3.  O RIO ALTO PARAGUAI E O PANTANAL MATOGROSSENSE
[Impacto Ambiental]   [Sumário]   [Bibliografía]      [Arriba]   [Sumário Executivo]   [Introdução]   [Descrição Geográfica]  

Esta Seção descreve as características fisiográficas e hidrológicas do Alto Paraguai e o adjacente Pantanal Matogrossense. Está dividida em quatro Subseções:

  1. Cenário Geológico

  2. Cenário Geomorfológico

  3. Cenário Hidrológico

  4. Cenário Ecológico

As informações contidas nesta Seção servem como base para a análise da Seção 4.


3.1  Cenário Geológico

A geologia do Alto Paraguai e redondezas está descrita em Almeida (1945), Projeto Bodoquena (1979), Projeto RADAMBRASIL (1982a&b), e Godoi Filho (1986), entre outros. As formações predominantes do Precambriano Superior estão situadas sob extensos depósitos Quaternários, mas com significantes afloramentos rochosos. A evidência geomorfológica revela a presença de atividade tectônica substancial na forma de subsidência e subelevações (subsidence/uplift) (Freitas, 1951; DNOS, 1974; Orellana, 1979; Ab'Sáber, 1988).

A Tabela 5 mostra as unidades estratigráficas que estão presentes no Alto Paraguai. O Precambriano Superior está representado pelos grupos Alto Paraguai, Corumbá e Jacadigo, e suas respectivas formações: o Paleozóico pela formação Coimbra; o Mesozóico pela formação Alcalinas Fecho dos Morros; e o Cenozóico pelas formações Xaraiés e Pantanal. A Tabela 6 lista os tipos de rochas primárias, incluindo arenitos, siltitos, calcários, conglomerados, dolomitos, calcários dolomíticos, sienitos, traquitos, tufos calcários e travertinos. A Tabela 7 mostra a localização geral dos afloramentos rochosos nas vizinhanças do Alto Paraguai.

Tabela 5.  Unidades estratégicas nas vizinhanças do Alto Paraguai.1
Era Período Época Grupo Formações
Precambriano Superior - Alto Paraguai Moenda
Araras
Raizama
Sepotuba
- Corumbá Puga
Cerradinho
Bocaína
Tamengo
- Jacadigo Urucum
Santa Cruz
Paleozóico Siluriano - - Coimbra
Mesozóico Triássico - - Alcalinas Fecho dos Morros
Cenozóico Quaternário Pleistoceno - Xaraiés
- Pantanal
Holoceno - Pantanal
1 Fonte:  Projeto RADAMBRASIL (1982a&b).

Tabela 6.  Litologia das formações nas vizinhanças do Alto Paraguai.1
Formação Descrição
Moenda Conglomerados ou tilitos, com arenito, margas e calcários.
Araras Calcários, siltitos e margas.
Raizama Arenitos quartzosos e quartzofeldspáticos.
Sepotuba Siltitos, maicáceos, arenitos micáceos.
Puga Paraconglomerados ou tilitos, com quartzito, rocha granítica e xisto.
Cerradinho Arenito, siltitos, calcários, margas, dolomitos e metaconglomerados.
Bocaína Dolomitos, calcários dolomíticos e calcarenitos dolomíticos.
Tamengo Calcários negros acamados, intercalados com siltitos e arenitos finos.
Urucum Arenitos arcoseanos, arenitos quartzosos, metarenitos e metarenitos feldspáticos.
Santa Cruz Arenito arcosiano japelítico.
Coimbra Arenitos acamados de coloração rósea.
Alcalinas Sienitos Fecho dos Morros, traquitos, traquitos pórfiros.
Xaraiés Tufo calcário, travertino, conglomerado com cimento calcário.
Pantanal Sedimentos aluviais arenosos, silítico-argilosos e argilosos, inconsolidados e semiconsolidados; depósitos fluviais e lacustres em áreas inundadas sazonalmente.
1 Fonte:  Projeto RADAMBRASIL (1982a&b).

Tabela 7.  Afloramentos rochosos no Alto Paraguai e redondezas.1
Formação Localização
Moenda Áreas limitadas da Província Serrana, Leste e Sudeste de Cáceres, Norte de Descalvados.
Araras Áreas limitadas da Província Serrana, Leste e Sudeste de Cáceres, Norte de Descalvados.
Raizama Áreas limitadas da Província Serrana, Leste e Sudeste de Cáceres, Norte de Descalvados.
Sepotuba Áreas limitadas da Província Serrana, Leste e Sudeste de Cáceres, Norte de Descalvados.
Puga Morro da Puga, na margem direita do rio Paraguai, 5 km a jusante de Porto Esperança.
Cerradinho Morro da Puga, na margem direita do rio Paraguai, 5 km a jusante de Porto Esperança.
Bocaína 1. Limite Oeste de Morraria da Ínsua, ao Sul da Lagoa Uberaba, nas proximidades de Bela Vista do Norte.
2. Nas colinas circundando Corumbá.
3. No Morro do Conselho, 20 km a jusante de Porto Esperança.
4. No Morro de Coimbra, em Forte Coimbra.
Tamengo 1. Margem direita do Alto Paraguai, entre Corumbá e Ladário.
2. No Canal Tamengo, o qual liga o Alto Paraguai com a Lagoa Cáceres (Bolívia).
Urucum 1. Na Morraria da Ínsua, adjacente a Bela Vista do Norte.
2. Na Serra do Amolar, adjacente a Amolar.
3. Na Serra de Bonfim (nas proximidades de Porto São Francisco).
4. Na margem direita do Alto Paraguai, na Morraria do Rabichão (15 km downstream of Ladário) and adjacent hills.
Santa Cruz 1. Margem direita do Alto Paraguai, na Morraria do Rabichão (15 km a jusante de Ladário) e colinas adjacentes.
2. Margem esquerda do Alto Paraguai, na Morraria Santa Rosa, na margem direita do rio Paraguai-Mirim, a 3 km de sua embocadura.
Coimbra Nas colinas em torno de Forte Coimbra.
Alcalinas Fecho dos Morros Margem esquerda do Alto Paraguai, no grupo de colinas referidas como Fecho dos Morros.
Xaraiés 1. Na Província Serrana, próximo a Cáceres, associada com a formação calcária Araras.
2. Margem direita do Alto Paraguai, próximo ao porto de Corumbá.
3. Sul de Corumbá, em áreas adjacentes ao afloramento de rochas calcárias das formações Bocaína e Tamengo.
4. Sul da Morraria do Zanetti, cerca de 20 km a Nordeste de Porto Esperança.
1 Fonte:  Projeto RADAMBRASIL (1982a&b).

Cartas de navegação confirmam a existência de numerosos afloramentos rochosos ao longo do rio Alto Paraguai (Marinha do Brasil, 1974; e datas posteriores). Uma lista desses afloramentos é mostrada na Tabela 8, e seus possíveis tipos de rocha na Tabela 9. Significativamente, quatro desses afloramentos estão localizados no meio do canal [Passo Simão Nunes Inferior, Córrego Bonfim, Farolete Balduíno (Fig. A7), e Passo Mucunã], efetivamente funcionando como controles de nível d'água. A existência de afloramentos rochosos tem sido reconhecida por mais de um século (Leverger, 1862a&b). Alguns desses afloramentos foram documentados no relatório da Internave (INTERNAVE, 1990).

Tabela 8.  Afloramentos rochosos documentados ao longo do Alto Paraguai,
de Cáceres até a confluência com o rio Apa.1

No. Localização Km 2 Km 3 No. Carta Descrição
1. Passo Simão Nunes Inferior 3,373 2,132.9 99 No meio do canal.
2. Ilha Barranco Vermelho 3,348 2,108 94 Na margem esquerda, salientando-se para o canal.
3. Ilha do Beiçudo 3,344 2,104 93 Na margem esquerda, salientando-se para o canal (0.6 km de comprimento).
4. Morro Pelado 3,332-34 2,082-84 89-90 Na margem esquerda (1.5 km de comprimento).
5. Passo Papagaio 3,318 2,078 88 Na margem direita, salientando-se para o canal.
6. Riacho D. Pedro II 3,030 1,790 0 Na margem esquerda, três ocorrências, uma delas salientando-se para o canal.
7. Ponta do Morro 3,030 1,790 48 Na margem direita, salientando-se para o canal.
8. Fazenda Acurizal 3,004 1,764.3 44 Na margem direita, salientando-se para o canal.
9. Corixo da Penha 2,967 1,727.2 37 Na margem direita.
10. Amolar 2,965 1,725 36-37 Na margem direita, salientando-se para o canal (0.5 km de comprimento).
11. Passo Amolar 2,960 1,720 36 Na margem direita, salientando-se para o canal.
12. Fazenda Dourados 2,957-58 1,717-18 35-36 Na margem direita (1.2 km de comprimento).
13. Morro Dourados 2,956 1,716.5 35 Na margem direita, salientando-se para o canal (0.4 km de comprimento).
14. Passo Piuva Superior 2,956 1,715.9 35 Na margem esquerda, salientando-se para o canal.
15. Ilha do Rufino 2,935 1,695.4 31 Na margem esquerda.
16. Córrego Bonfim 2,929 1,688.6 29 A direita do centro do canal.
17. Porto Santa Luzia 2,856 1,616 16 Salientando-se para o canal de ambas as margens (0.6 km de comprimento).
18. Fazenda Faia 2,804 1,564.4 08 Na margem esquerda.
19. Retiro Uberlandia 2,778 1,538.5 04 Na margem esquerda (0.5 km de comprimento).
20. Estirão de Agua Branca 2,769 1,529.4 02 Na margem direita, salientando-se para o canal.
21. Farolete Balduíno 2,762 1,521.1 3,230 No meio do canal.
22. Barranca Limpa 2,714 1,473-74 3,231 B Na margem esquerda, duas ocorrências, salientando-se para o canal.
23. Volta Grande 2,705-07 1,465-07 3,231 B Na margem esquerda, três ocorrências, encroaching into the channel.
24. Passo Mucunã 2,693-94 1,453-55 3,231 B Na margem esquerda e no meio do canal, três ocorrências.
25. Saladeiro Otília 2,689 1,449 3,231 B Na margem direita, salientando-se para o canal.
26. Morro da Onça 2,569 1,329 3,233 B Na margem direita, salientando-se para o canal.
27. Estirão de Baía Verde 2,549 1,309 3,234 A Na margem esquerda.
28. Fuerte Olimpo 2,329 1,089 3,237 B Na margem direita, na embocadura do Riacho Barrero.
29. Passo Cambá Nupá 2,281 1,041 3,238 A Na margem direita, salientando-se para o canal.
30. Morro Pão de Açúcar 2,275-76 1,035-36 3,238 A Na margem esquerda, salientando-se duas vezes para o canal.
31. Fecho dos Morros 2,268-71 1,028-31 3,238 A Colinas em ambos os lados do canal, três locações na margem esquerda, ao longo de 3 km.
32. Passo Tarumã 2,251 1,011 3,238 B Na margem esquerda, salientando-se para o canal.
1 Fonte:  Marinha do Brasil, Croquis (números de dois dígitos) e Cartas (quatro dígitos) de Navegação, Rio Paraguai, de Corumbá a Cáceres.
2 Km de Hidrovia, com referência a Buenos Aires como o Km 0.
3 Km de Hidrovia, com a embocadura do Rio Paraguai (Confluência) como o Km 0.

Tabela 9.  Estratigrafia e litologia dos afloramentos rochosos documentados
ao longo do rio Alto Paraguai.1

No. Localização Km 2 Km 3 Formação Tipos primários de rocha 4
1. Passo Simão Nunes Inferior 3,373 2,132.9 Raizama Arenitos quartzosos e quartzofeldspáticos, siltitos.
2. Ilha Barranco Vermelho 3,348 2,108 Raizama Arenitos quartzosos e quartzofeldspáticos, siltitos.
3. Ilha do Beiçudo 3,344 2,104 Raizama Arenitos quartzosos e quartzofeldspáticos, siltitos.
4. Morro Pelado 3,332-34 2,082-84 Raizama Arenitos quartzosos e quartzofeldspáticos, siltitos.
5. Passo Papagaio 3,318 2,078 Raizama Arenitos quartzosos e quartzofeldspáticos, siltitos.
6. Riacho D. Pedro II 3,030 1,790 Urucum Arenitos arcoseanos, arenitos quartzosos, conglomerados.
7. Ponta do Morro 3,030 1,790 Urucum Arenitos arcoseanos, arenitos quartzosos, conglomerados.
8. Fazenda Acurizal 3,004 1,764.3 Urucum Arenitos quartzosos, metaconglomerados, xistos.
9. Boca do Corixo da Penha 2,967 1,727.2 Urucum Arenitos quartzosos, metaconglomerados, xistos.
10. Amolar 2,965 1,725 Urucum Arenitos quartzosos, metaconglomerados, xistos.
11. Passo Amolar 2,960 1,720 Urucum Arenitos quartzosos, metaconglomerados, xistos.
12. Fazenda Dourados 2,957-58 1,717-18 Urucum Arenitos quartzosos, metaconglomerados, xistos.
13. Morro Dourados 2,956 1,716.5 Urucum Arenitos quartzosos, metaconglomerados, xistos.
14. Passo Piuva Superior 2,956 1,715.9 Urucum Arenitos quartzosos, metaconglomerados, xistos.
15. Ilha do Rufino 2,935 1,695.4 Urucum Arenitos quartzosos, metaconglomerados, xistos.
16. Córrego de Bonfim 2,929 1,688.6 Bocaína Calcários dolomíticos, calcarenitos dolomíticos.
17. Porto Santa Luzia 2,856 1,616 Bocaína Calcários dolomíticos, calcarenitos dolomíticos.
18. Fazenda Faia 2,804 1,564.4 Bocaína Calcários dolomíticos, calcarenitos dolomíticos.
19. Retiro Uberlandia 2,778 1,538.5 Bocaína Calcários dolomíticos, calcarenitos dolomíticos.
20. Estirão de Agua Branca 2,769 1,529.4 Bocaína Calcários dolomíticos, calcarenitos dolomíticos.
21. Farolete Balduíno 2,762 1,521.1 Urucum Arenitos arcoseanos, arenitos quartzosos, conglomerados.
22. Barranca Limpa 2,714 1,473-74 - Não determinado.5
23. Volta Grande 2,707 1,467 - Não determinado.5
24. Passo Mucunã 2,693-94 1,453-55 - Não determinado.5
25. Saladeiro Otília 2,689 1,449 - Não determinado.5
26. Morro da Onça 2,569 1,329 Coimbra Arenitos acamados.
27. Estirão de Baía Verde 2,549 1,309 - Não determinado.5
28. Fuerte Olimpo 2,329 1,089 - Não determinado.5
29. Passo Cambá Nupá 2,281 1,041 - Não determinado.5
30. Morro Pão de Açúcar 2,275-76 1,035-36 A. Fecho dos Morros Sienitos, traquitos, traquitos pórfiros.
31. Fecho dos Morros 2,268-71 1,028-31 A. Fecho dos Morros Sienitos, traquitos, traquitos pórfiros.
32. Passo Tarumã 2,251 1,011 - Não determinado.5
1 Fonte:  Projecto RADAMBRASIL (1982a&b). 2 Km de Hidrovia, com referência a Buenos Aires como o Km 0.
3 Km de Hidrovia, com referência a embocadura do Rio Paraguai (Confluência) como o Km 0.
4 O tipo de rocha de fato pode diferir daqueles listados.
5 Reconhecimento de campo pode ser necessário para uma determinação precisa.

Fig. A7  Farolete Balduíno, perto de Corumbá, Mato Grosso do Sul.

Esses fatos confirmam que o Alto Paraguai é basicamente controlado pela geologia local. Enquanto os sedimentos Quaternários da formação Pantanal são as mais óbvias feições da paisagem, a declividade longitudinal do rio é controlada mais pelos afloramentos rochosos do que pelo aluvião. Como mostrado na Tabela 8, há trinta e dois (32) afloramentos rochosos ao longo de 1,270 km do rio, uma média de um a cada 40 km.

Outros afloramentos ao longo do rio, particularmente aqueles de cangade, podem ter sido menos documentados. De acordo com Dorr (1945), canga é colúvio ou talus, composta em grande parte de fragmentos de rochas ricas em ferro, as quais foram recementadas pela limonita em uma massa coerente. Nas vizinhanças do Morro de Urucum, esses afloramentos tendem a apresentar uma distribuição linear, sugerindo a possibilidade da presença de uma falha (Dorr, 1945; Almeida, 1945). Além disso, foi observado que o relatório da Internave menciona a ocorrência de canga em diversos locais ao longo do rio, incluindo Porto Rabicho (km 2,740), entrada para o Passo do Conselho (km 2,607), e à montante de Passo Piuva Inferior (km 2,573) (INTERNAVE, 1990).

A Tabela 10 descreve três falhas geológicas nas vizinhanças do Alto Paraguai (Projeto RADAMBRASIL, 1982a). A Falha da Lagoa, a qual cruza Lagoa Gaíba (Seção 3.3.1), pode ter um efeito significante nas vazões do Alto Paraguai. Da mesma forma, a Falha da Penha, que também cruza a Lagoa Gaíba, está estrategicamente localizada muito próxima ao rio (Fig. 5). De acordo com o DNOS (1974), parece que a porção Norte do Pantanal rebaixou em relação a Serra do Amolar (Seção 3.2). Isso explicaria a posição elevada das rochas mais velhas na Serra do Amolar.

Tabela 10.  Falhas geológicas nas vizinhanças do Alto Paraguai.1
Nome Formação(ões) Localização Descrição
Falha da Penha Urucum Da Serra do Amolar até a Ilha de Ínsua Na margem direita do Alto Paraguai, da Fazenda da Penha (Norte do Amolar) até a Ilha de Ínsua (Norte de Lagoa Gaíba); parcialmente enterrada perto da Ilha de Ínsua por sedimentos da formação Pantanal; 60 km de comprimento; arenitos arcoseanos da formação Urucum.
Falha da Lagoa Urucum, Bocaína Da Serra do Amolar até a Lagoa Gaíba Na margem direita do Alto Paraguai, seguindo uma direção paralela a Falha da Penha, a Oeste da Serra do Amolar e a Ilha de Ínsua; parcialmente coberta pelas águas da Lagoa Gaíba; pode prolongar-se para Sudeste, alcançando a Morraria de Novos Dourados; 55 km de comprimento; arenitos arcoseanos e calcários dolomíticos das formações Urucum e Bocaína, respectivamente..
Falhas do Urucum2 Urucum, Santa Cruz Ao longo do vale do Córrego Band'Alta Entre o Morro do Urucum e a Morraria do Rabichão; a maior parte está enterrada por sedimentos da formação do Pantanal.
1Fonte:  Projeto RADAMBRASIL (1982a&b), Volume 27.
2 Sistema de falhas, a mais conhecida ocorrendo ao longo do vale do Córrego Band'Alta.

Fig. 5  Localização geográfica de Falha da Lagoa e Falha da Penha
(Projeto RADAMBRASIL, 1982a&b).

O caráter tectônico da bacia do Alto Paraguai tem sido admiravelmente descrito por Freitas (1951). Orellana (1979) afirmou que falhas ativas numa direção contrária ao do escoamento regional criaram (soleiras) locais que atuam no sentido de impedir esse escoamento. Mais recentemente, Ab'Sáber (1988) atribuiu a gênese do Pantanal "ao caráter tectônico dominado por um sistema de falhas as quais são geomorfologicamente contrárias..."

Uma nota histórica relativa a afloramentos rochosos no rio Alto Paraguai: Descrevendo sua passagem através da Lagoa Gaíba quase 150 anos atrás (1846), o Capitão Augusto Leverger da Marinha do Brasil, preveniu sobre os afloramentos rochosos que sobressaem no lago como se segue (Leverger, 1862a, p. 317):

"...Virando a Norte, tive de circumdar um como promontorio da margem do poente da lagoa o qual é terminado por um cabeço pedregoso e coberto de mato, ao cual devese dar resguardo a fim de evitar as muitas pedras que o cercam, umas submergidas, outras a flor de agua ou pouco elevadas..."


3.2  Cenário Geomorfológico

A geomorfologia da bacia do Alto Paraguai está descrita no Projeto RADAMBRASIL (1982a& b) e Silva (1986). As unidades geomorfológicas nas vizinhanças do Alto Paraguai são:

  • Serras do Urucum-Amolar

  • Província Serrana

  • Depressão do Rio Paraguai

  • Planícies e Pantanais Matogrossenses.

As Serras do Urucum-Amolar compreendem dois grupos de serras localizadas à direita (Oeste) do Alto Paraguai, próximo a fronteira com a Bolívia. Essas serras são importantes por causa de sua localização estratégica, na margem direita e frequente mente próximas ao rio. A serra do Urucum, ao Sudeste de Corumbá, compreende as morrarias de Urucum, Santa Cruz, São Domingos, Grande, Rabichão e Tromba dos Macacos; mais ao Sul, a cerca de 40-50 km, estão as morrarias de Zanetti, Albuquerque, Mato Grande, Saiutã e Pelada.

A Serra do Amolar, cerca de 60 a 160 km ao Norte de Corumbá, compreende a Serra do Amolar propriamente dita e as morrarias de Ínsua, Novos Dourados, Santa Tereza, Castelo e outras de menor tamanho. A elevação dessas montanhas varia de 300 a 900 m, sendo o ponto mais alto Morro Grande (1065 m). O contato entre a Serra do Urucum-Amolar e unidades geomorfológicas adjacentes é frequentemente brusco, revelando a presença de falhas de provável era Cenozóica (Projeto RADAMBRASIL, 1982a).

A Província Serrana consiste de um grupo de serras com cristas aproximadamente paralelas, localizadas à Leste de Cáceres, tendendo a uma direção predominantemente Sudoeste-Nordeste. De Sudoeste para Nordeste, essas serras são: (1) Simão Nunes, (2) Colonia, (3) Acorizal, (4) Facão, (5) Primavera, (6) Ponta do Morro, (7) Quilombo, (8) Morro Grande, (9) Jacobina, (10) Barreiro Preto, (11) Chapola, (12) Boi Morto, (13) Bocainão, (14) Campina e (15) Retiro (Projeto RADAMBRASIL, 1982a). A Serra Simão Nunes, localizada mais a Sudoeste do grupo, entra em contato direto com o Alto Para guai em diversos locais ao longo de 45 km do rio, na margem esquerda, de Passo Acuri no km 2128 (km 3368 da Hidrovia), ao Passo Morro Pelado, no km 2083 (km 3323 da Hidrovia) (Tabela 20). As elevações na Província Serrana variam de 300 a 700 m. As formações rochosas são aquelas do grupo Alto Paraguai (Tabela 5).

A Depressão do Rio Paraguai compreende extensas planícies que envolvem a Província Serrana e, em menor escala, a Serra do Urucum-Amolar. O relevo é suave, levemente ondulado, com elevações variando entre 150 e 250 m, apresentando como base formações Precambrianas e Cambrianas, as quais frequentemente afloram através dos depósitos Quaternários.

As Planícies e Pantanais Matogrossenses se assemelham a um anfiteatro de forma quase semicircular, com seu centro aproximado em Corumbá, compreendendo 28% da bacia do Alto Paraguai (Fig. 2). As planícies são uma série de cones de aluvião mutuamente coalescentes, cercados pela Depressão do Rio Paraguai quase continuamente para o Leste, e de maneira descontínua para o Norte e para o Sul. Elas compreendem uma extensa superfície de acumulação de relevo extremamente plano, com elevações variando de 80 a 150 m, e sujeitas a inundações sazonais pelo Alto Paraguai e seus tributários (Fig. A8).

Fig. A8  Campo Jofre, no Pantanal Matogrossense.

As declividades dos vales são cerca de uma ordem de magnitude maior ao longo dos tributários do que ao longo do canal principal. Os tributários cruzam as planícies numa direção predominantemente Leste-Oeste, com uma ligeira orientação no sentido do centro do mencionado anfiteatro, com declividades dos vales de 12 a 50 cm/km. A alta produção de sedimentos dos tributários forçou o canal principal do Alto Paraguai, o qual corre predominantemente do Norte para o Sul, a um curso paralelo bem próximo a borda Oeste das planícies (Schumm, 1977). Além disso, sua declividade incomumente suave (0.7-6.5 cm/km) causa, com regularidade, o transbordamento de suas margens durante a estação úmida.

Sánchez (1978) identificou dez sub unidades geomorfológicas entre as planícies e pantanais Matogrossenses (Tabela 11). O Pantanal é visto como um mosaico complexo de sub unidades geomorfológicas, com um nível de base regional no rio Alto Paraguai, ao longo da borda Oeste das planícies. Por sua vez, o nível de base do Alto Paraguai está na sua desembocadura, na confluência com o rio Apa.

Tabela 11.  Sub unidades geomórficas do Pantanal Matogrossense.1
Sub unidade Descrição
Cordilheiras Formas de relevo positivas, estreitas e alongadas, salientando-se levemente sobre o nível do terreno circunvizinho. Suas formas e localizações sugerem que elas podem ser relíquias de um passado geodinâmico muito mais ativo.
Canais com escoamento permanente Formas de relevo negativas, de profundidade significativa, com escoamento permanente ou quase-permanente, tais como os grandes e pequenos rios do Pantanal.
Córregos ou corixos Formas de relevo negativas, ligeiramente côncavas e razoavelmente largas e rasas, com declividades longitudinais relativamente suaves.
Vazantes Formas de relevo negativas, ligeiramente côncavas e razoavelmente largas e rasas, com declividades longitudinais relativamente suaves.
Planícies de depressão Geralmente planas e de relevo insignificante, tipicamente ocupando localidades interfluviais e sujeitas a inundações mais ou menos sazonais.
Planícies de inundação Formas positivas de relevo as quais estão sujeitas a inundações sazonais dos canais vizinhos.
Planícies inundadas difusas Planícies inundadas onde o escoamento superficial se caracteriza pela ausência de uma direção precisa.
Planícies inundadas compostas Planícies inundadas onde o escoamento superficial pode ou não ter uma direção clara. Típico dessa sub unidade é o escoamento dos cursos baixos dos rios Cassange, Alegre, Caracará, e Cuiabá, tributários da margem direita do Alto Paraguai (a jusante de Bela Vista do Norte e a montante de Amolar).
Lagoas ou baías Formas de relevo negativas, algumas vezes com concavidade acentuada, as quais podem ser permanentemente ou temporariamente cheias de água; algumas vezes são salinas. A maior densidade dessa sub unidade é encontrada na área de Nhecolândia.
Colinas isoladas (inselberg) Formas de relevo extremamente positivas, associadas com as rochas Precambrianas e Cambrianas subjacentes, e ocupando áreas relativamente pequenas na depressão do Pantanal. Exemplos são a Ilha de Ínsua, Morro do Conselho e Fecho dos Morros.
1Fonte:  Fonte: Sánchez (1978).

A sequência de eventos que conduziram a formação do Pantanal é descrita pelo Projeto Bodoquena (1979) e Ab'Sáber (1988). Durante o período Jurássico, o clima árido prevalecente conduziu a uma deposição substancial de sedimentos, em sua maior parte na forma de dunas de areia. O período Cretáceo que se seguiu presenciou uma mudança para um clima mais úmido, o qual transformou o deserto em uma planície de inundação com numerosos lagos e pântanos. O fim da era Mesozóica assinalou o fim da sedimentação e o começo de lentos movimentos epirogênicos, os quais foram geralmente direcionados ascendentemente.

O rebaixamento (subsidência) do Pantanal ocorreu mais tarde, provavelmente no Pleistoceno (Tricart, 1982). Uma clara evidência dessa acomodação é a grande profundidade dos depósitos Quaternários, os quais na Fazenda Piquiri se extendem além de 320 m e na Fazenda São Bento além de 420 m (320 m abaixo do nível do mar). A máxima profundidade dos sedimentos do Pantanal tem sido estimada em 500 m no centro do Pantanal, no cone aluvional do rio Taquari (Godoi Filho, 1986). Subelevações tectônicas estrangularam a saída da depressão. Nos ultimos 6 milhões de anos, sob os efeitos de subsidência e subelevações, o rio Alto Paraguai tem sido forçado a escavar uma saída através das rochas basais ao Sul, uma situação que explica suas declividades incomumente suaves.


3.3  Cenário Hidrológico

A hidrologia do Alto Paraguai está descrita em DNOS (1974) e EDIBAP (1979). O Alto Paraguai escoa de suas cabeceiras na Serra de Tapirapuã, em Mato Grosso, até seu escoadouro na confluência com o rio Apa, em Mato Grosso do Sul. Em Cáceres (Fig. A9), onde passa pela primeira concentração humana de importância, o rio drena uma área de 33,860 km2; na confluência com o rio Apa, à jusante de Porto Murtinho, drena uma área de 496,000 km2.

Fig. A9  O rio Alto Paraguai em Cáceres, Mato Grosso.

A distância pelo rio, de Cáceres até a confluência com o rio Apa é de 1,270 km. Ao longo da maior parte desse trecho, o Alto Paraguai atravessa o Pantanal Matogrossense, inundando-o tipicamente de Março a Agosto, e drenando-o de Setembro a Fevereiro. Dessa forma, a hidrologia do Alto Paraguai é efetivamente relacionada e interdependente com aquela do Pantanal. Isso dificulta a distinção entre água de superfície e água subterrânea, aumentando significativamente a complexidade da análise hidrológica. De fato, as características peculiares da geologia e da geomorfologia do Alto Paraguai e do Pantanal adjacente resultam em um comportamento hidrológico único, sem paralelo no continente americano.

O clima prevalecente é o sub úmido seco, mudando para sub úmido úmido ao longo de uma estreita faixa paralela às cadeias de montanhas que delimitam a bacia ao Norte, Leste e Sul, e úmido em áreas limitadas mais ao Norte, fronteiriças à bacia Amazônica (EDIBAP, 1979). A precipitação média anual, espacialmente ponderada, na bacia do Alto Paraguai varia de 1,180 mm (Projeto RADAMBRASIL, 1984) a 1,380 mm (EDIBAP, 1979), dependendo da fonte dos dados. Esse fato, por si só, implicaria em um coeficiente de escoamento médio (a razão entre o escoamento médio anual e a precipitação média anual) relativamente alto, talvez um pouco menor do que a média global, estimada em 0.39- para áreas periféricas continentais- por L'vovich (1979) ou 0.46 por Berner e Berner (1987). Ao contrário, o coeficiente de escoamento médio do Alto Paraguai é bastante baixo, variando na faixa de 0.07-0.10, dependendo de quais dados são usados no cálculo (Seção 3.3.4).

O coeficiente de escoamento anormalmente baixo do Alto Paraguai é um resultado direto da sua interação hidrológica com o Pantanal. Esse último funciona como um imenso reservatório de superfície/subsuperfície o qual armazena água anualmente e multianualmente. Num esquema anual, o Pantanal armazena água durante a estação úmida a qual escoa para o canal principal durante a estação seca subsequente. Quanto a perspectiva multianual, o Pantanal armazena água num ano úmido a qual escoa para o canal principal num ano seco. Nesse processo, cuja lentidão é exacerbada pelo relevo anormalmente suave, grandes quantidades de água que seriam escoadas são ao invés retornadas à atmosfera através da evaporação e evapotranspiração. Essa última ajuda a sustentar uma série de ecossistemas intimamente conectados, caracteristicamente pântanos ou alagadiços, com sua produtividade biótica fortemente influenciada pelo pulso anual de inundação (Junk et al., 1989).


3.3.1  Hidrografia

A hidrografia do Alto Paraguai, de Cáceres à confluência com o rio Apa, é mostrada de forma esquemática na Fig. 6. Em Cáceres, o rio Paraguai já recebeu as contribuições de dois de seus tributários mais importantes da margem direita: Sepotuba e Cabaçal. De Cáceres, o rio flui para o Sul na direção de Descalvados, uma distância de 139 km ao longo do rio. Em um ponto a 71 km à jusante de Cáceres, o Paraguai recebe a contribuição de seu terceiro tributário importante da margem direita, o Jauru.

Fig. 6  Esquemática da hidrografia do rio Alto Paraguai.

De Descalvados, o rio flui primeiro para Sudeste, e então se volta para o Sul, na direção de Porto Conceição, uma distância de 121 km. Em um ponto a 46 km à jusante de Descalvados, o rio bifurca em dois canais: o Paraguai propriamente dito (para a direita) e o Bracinho (para a esquerda). Essa bifurcação marca o começo do Pantanal propriamente dito; desse ponto em diante, para jusante até Amolar, o rio Paraguai atravessa extensas áreas de lagos (baías ou lagoas) e planícies adjacentes permanentemente inundadas. Os dois braços do rio delimitam a ilha de Taiamã, e se reunem 43 km à jusante, medidos ao longo do canal principal.

De Porto Conceição, o rio flui primeiro para o Sul, e então vira para o Sudoeste, na direção de Bela Vista do Norte, uma distância de 135 km. Em um ponto a 40 km à jusante de Porto Conceição, o rio novamente bifurca em dois canais: o Paraguai propriamente dito (para a direita) e o Caracará (para a esquerda). Os dois braços formam a grande ilha de Caracará e se juntam mais ao Sul, próximo de Refúgio das Três Bocas. O canal principal do Paraguai flui para o Sudoeste na direção de Bela Vista do Norte, aos pés da Morraria da Ínsua (Fig. 7). O braço Caracará flui para o Sul, na direção do Refúgio das Três Bocas, nas vizinhanças da Serra do Amolar.

Fig. 7  Detalhe da Lagoa Gaíba.

A ilha de Caracará constitui um verdadeiro delta interior, com seu ápice na bifurcação (40 km à jusante de Porto Conceição), e na sua base o rio Paraguai, o qual muda seu curso de Bela Vista do Norte para o Sudeste, na direção de Refúgio das Três Bocas, escoando por uma distância de 53 km. Durante cheias extraordinárias e excepcionais, a maior parte da ilha de Caracará permanece completamente submersa.

Nas vizinhanças da Morraria da Ínsua e da Serra do Amolar, o rio Paraguai interage com três lagos: Uberaba, Gaíba e Mandioré (Figuras 3 e 6). O maior dos três, Lagoa Uberaba, localizado ao Norte da Morraria da Ínsua, recebe transbordamentos do Para guai assim como escoamento de riachos locais e do Corixa Grande, o último tributário de importância da margem direita do Alto Paraguai.

A Lagoa Gaíba está localizada entre Morraria da Ínsua e a Serra do Amolar. Consiste de três lagos menores:

  1. Gaíba, cercada por montanhas ao Leste e a Oeste.

  2. Gaíba-Mirim, cercada por montanhas ao Leste, Oeste e Sul, e conectada a Gaíba durante as cheias extremamente altas.

  3. Pré-Gaíba, uma continuação da Gaíba para o Nordeste.


A ligação entre o Alto Paraguai e a Lagoa Gaíba é o Riacho da Gaíba. Todavia, um braço do Paraguai drena para o Pré-Gaíba. O Riacho da Gaíba é geralmente tão profundo quanto o Paraguai, excluindo a saída da Lagoa Gaíba, onde ele é extremamente raso, com uma profundidade de 0.1-0.6 m e uma largura de 2,000 m (DNOS, 1974). A julgar pelas cores das águas não-misturadas, o Riacho da Gaíba parece drenar a Lagoa Gaíba para a direita (cor avermelhada, com sólidos dissolvidos ricos em ferro), Lagoa Uberaba ao centro (cor escura, colóides húmicos), e o canal principal do rio Paraguai para a esquerda (cor marron claro, sedimentos em suspensão) (Fig. 7). A ligação entre a Lagoa Gaíba e a Lagoa Uberaba é o Canal Pedro II, com um comprimento de cerca de 100 km. A direção da corrente no Canal Pedro II normalmente é da Lagoa Uberaba para a Gaíba, mas pode mudar sazonalmente se a vazão é consideravelmente reduzida (DNOS, 1974).

De Refúgio das Três Bocas, o rio escoa para o Sul na direção de Amolar, uma distância de 28 km. Logo antes de alcançar Refúgio das Três Bocas, o rio bifurca em dois canais: o Paraguai a esquerda e o Moquém à direita. Antes de se juntar novamente ao Paraguai, o rio Moquém bifurca-se no Ingazal, o qual se encontra com o rio São Jorge, outro braço do Paraguai. Por sua vez, o São Jorge reencontra o Paraguai imediatamente à montante de Amolar. Essas bifurcações revelam o gradiente extremamente reduzido dessa seção do rio Paraguai.

De Amolar, o rio escoa para o Sul na direção de Porto São Francisco, uma distância de 58 km. Em um ponto a 46 km à jusante de Amolar, o rio passa pelo Riacho da Mandioré, a entrada d'água para a Lagoa Mandioré. O rio Paraguai escoa para a Lagoa Mandioré durante cheias e da lagoa durante as vazantes.

De Porto São Francisco, o rio escoa numa direção geral Sudoeste, rumo a Corumbá, uma distância de 146 km, e então vira para Leste, na direção de Ladário, uma distância de 7 km de Corumbá (Fig. A10). Em um ponto 16 km à jusante de Porto São Francisco, o rio Paraguai bifurca novamente em dois canais, o Paraguai para a direita e o Paraguai-Mirim para a esquerda. Esse último atravessa as planícies ao Leste e reune-se com o rio Paraguai 20 km à jusante de Ladário. Entre Porto São Francisco e Corumbá, o rio pode transbordar (para a direita) para a Lagoa Conceição, Lagoa do Castelo e Lagoa Cáceres. A conexão entre Lagoa Cáceres, na Bolívia, e o rio Paraguai é o Canal Tamengo, com seu escoadouro nas vizinhanças de Corumbá.

Fig. A10  Rio Alto Paraguai perto de Corumbá, Mato Grosso do Sul.

De Ladário, o rio flui primeiro para o Leste e então Sudeste para Porto da Manga, uma distância de 69 km. A um ponto 32 km à jusante de Ladário, o rio Paraguai recebe a contribuição do Taquari Velho (um antigo canal do rio Taquari) à esquerda. Cerca de 2 km à montante de Porto da Manga, o rio Paraguai recebe a contribuição do rio Taquari à esquerda. O rio Negro, um tributário do Taquari, escoa para esse último, pouco acima de sua confluência com o Paraguai.

De Porto da Manga, o rio escoa para o Sudoeste, na direção de Porto Esperança, uma distância de 58 km. A um ponto 24 km à jusante de Porto da Manga, o rio Para guai recebe a contribuição do rio Miranda (Fig. A11). Junto com o rio Aquidauana, seu principal tributário, o rio Miranda drena extensas áreas do Pantanal e da bacia do Alto Paraguai a Sudeste.

Fig. A11  O rio Miranda, Mato Grosso do Sul.

De Porto Esperança, o rio continua a escoar para o Sudoeste, na direção de Forte Coimbra, uma distância de 67 km (Fig. A12). Entre 2 e 40 km para jusante de Porto Esperança, o rio Paraguai transborda para a esquerda durante as cheias, para alimentar seu braço, o Nabileque. Esse último atravessa as planícies ao Leste do rio Paraguai, numa direção geral Sudeste por cerca de 250 km, eventualmente se reunindo ao rio Paraguai em um ponto localizado a 217 km à jusante de Forte Coimbra.

Fig. A12  O rio Alto Paraguai em Forte Coimbra, Mato Grosso do Sul.

De Forte Coimbra, o rio segue uma direção geral Sudeste por 239 km, na direção de Barranco Branco; então, 51 km adicionais para Fecho dos Morros, e daí 36 km para Porto Murtinho (Fig. A13). De Forte Coimbra até Porto Murtinho, o rio Paraguai recebe a con tribuição de diversos tributários de sua margem esquerda, incluindo os rios Aquidabã, Branco, Tereré e Amonguijá (Fig. 2), assim como pequenas contribuições de escoamento superficial do Chaco paraguaio na margem direita. Em Fecho dos Morros, 36 km à montante de Porto Murtinho, o rio Paraguai atravessa um grupo de colinas, as quais efetivamente constituem um controle de nivel d'água. Esse controle tem sido referido como uma soleira de sienito (DNOS, 1974).

Fig. A13  O rio Alto Paraguai nas vizinhanças de Porto Murtinho, Mato Grosso do Sul.

De Porto Murtinho, o Alto Paraguai escoa para o Sul, por outros 63 km até alcançar seu escoadouro na confluência com o rio Apa.

A Tabela 12 mostra dados hidrológicos selecionados em estações fluviométricas ao longo do Alto Paraguai: área de drenagem, comprimento do canal, declividade do canal e descargas médias anuais.As seguintes observações são pertinentes:

  • As áreas de drenagem das sub bacias não são precisamente definidas em diversos pontos, particularmente entre Descalvados e Amolar. Isso é devido a extrema complexidade dos padrões de drenagem, incluindo bifurcações de canal e drenagens endorréicas.

  • Há uma leve redução na declividade do canal e nas descargas médias anuais de Descalvados a Porto Conceição, onde o rio Paraguai entra no Pantanal propriamente dito. Aí é onde o rio Paraguai começa a inundar extensamente o Pantanal.

  • Há uma redução sensível na declividade do canal e nas descargas médias anuais de Porto Conceição até Bela Vista do Norte, quando o rio Paraguai escoa através e em torno da ilha de Caracará.

  • Em Refúgio das Três Bocas-Amolar, a declividade do canal é ainda mais reduzida para meros 1.82 cm/km, enquanto a descarga média anual em Amolar aumenta bruscamente (para 943 m3/s). Isso indica as contribuições substanciais do escoamento de superfície e subsuperfície imediatamente à montante desse ponto.

  • À jusante de Amolar, a declividade do canal aumenta um pouco até Porto Esperança, onde as descargas médias anuais continuam a aumentar gradualmente até Porto Murtinho, perto do escoadouro da bacia do Alto Paraguai.

  • À jusante de Porto Esperança, as declividades do canal decrescem novamente, alcançando um valor de somente 0.83 cm/km no trecho entre Fecho dos Morros e Porto Murtinho.

  • A descarga média anual do Alto Paraguai no seu escoadouro é estimada em 1565 m3/s, baseada em medições em Fecho dos Morros e Porto Murtinho.

Tabela 12.   Dados hidrológicos relevantes de estações fluviométricas
ao longo do Alto Paraguai.1

Estação Área de drenagem1,6
(km2)
Comprimento do canal2,4
(km)
Níveis d'água mínimos observados1
(m)
Declividade do canal5
(cm/km)
Descarga média anual3,6
(m3/s)
Cáceres 33,860 - 110.09 - 382
Descalvados 48,360 139 101.00 6.54 437
Porto Conceição - 121 93.55 6.16 341
Bela Vista do Norte - 135 89.80 2.78 144
Refúgio das Três Bocas - 53 88.14 3.13 -
Amolar - 28 87.63 1.82 943
Porto São Francisco 243,0007 58 85.12 4.33 1,046
Ladário - 153 81.54 2.34 1,261
Porto da Manga 316,0007 69 80.12 2.06 1,340
Porto Esperança 363,5007 58 78.36 3.03 1,412
Forte Coimbra - 67 76.91 2.16 1,467
Barranco Branco 453,000 239 72.64 1.79 1,505
Fecho dos Morros 470,000 51 71.78 1.69 1,549
Porto Murtinho 474,500 36 71.48 0.83 1,555
Confluence with Apa River 496,000 63 - - 1,5658
1Fonte:  DNOS (1974) e DNAEE. 2 Fonte: INTERNAVE (1989). 3 Fonte: EDIBAP (1979). 4 Medido da estação de montante.
5 Baseada no comprimento do canal e nos níveis mínimos observados de água, calculados na Tabela 2.
6 Se não é mostrado, não é possível uma definição precisa. 7 Pequena porção não pode ser precisamente definida.
8 Estimado por extrapolação linear de valores medidos em Porto Murtinho e Fecho dos Morros.

A declividade média do canal ao longo do Alto Paraguai, de Cáceres a Porto Murtinho é de 3.2 cm/km. Como pode ser visto na Tabela 12, a declividade do canal varia de 0.83 cm/km (Fecho dos Morros-Porto Murtinho) a 6.54 cm/km (Cáceres-Descalvados), e o perfil do leito alterna entre convexo e côncavo.

De acordo com os princípios da geomorfologia fluvial, um rio que é livre para mover seu leito eventualmente cava um perfil de leito côncavo para cima (Leopold et al., 1964; Leopold, 1994; Christofolleti, 1980). Dessa forma, as convexidades documentadas em elevações de leito do rio Paraguai revelam a presença de controles geológicos substanciais. Esses controles operam em pelo menos três trechos:

  1. Refúgio das Três Bocas-Amolar, with 1.82 cm/km

  2. Ladário-Porto da Manga, with 2.06 cm/km

  3. Fecho dos Morros-Porto Murtinho, with 0.83 cm/km.


A extensão desses controles geológicos pode ser avaliada calculando-se a dimensão da lombada em locais onde sua presenca é suspeitada. Por exemplo, da Tabela 12, a declividade média do canal no trecho Refúgio das Três Bocas até Porto São Francisco pode ser calculada em 3.51 cm/km. Assim, uma medida da lombada em Amolar é:

(3.51 - 1.82) cm/km × 28 km = 47 cm

Da mesma forma, a declividade média do canal entre Ladário e Porto Esperança é de 2.70 cm/km. Assim, um cálculo da lombada em Porto da Manga resulta em:

(2.70 - 2.06) cm/km × 69 km = 44 cm

A capacidade que essas lombadas possuem de causar remanso nesses canais de declividade extremamente suaves é avaliada na Seção 4.1.1.

Cálculos similares não são possíveis para Porto Murtinho devido a falta de dados na foz do rio. Todavia, o rio a jusante (i.e., o Médio Paraguai) tem uma declividade média de 6 cm/km ao longo de seu comprimento de 797 km (Anderson et al., 1993). Essa declividade muito maior aponta para a presença de um controle geológico substancial à montante, em Fecho dos Morros, perto da embocadura do Alto Paraguai (Fig. 3). Significativamente, essa é precisamente a localização da soleira de sienito mencionada pelo DNOS (1974).

Fig. A14  Margem oriental do rio Alto Paraguai perto de Porto Murtinho, Mato Grosso do Sul.


3.3.2  Hidrologia de Cheias

O regime de cheias do Alto Paraguai é o resultado de complexas interações climáticas nas várias escalas atmosféricas espaciais. O clima é determinado basicamente pela localização geográfica da bacia (latitude e locação continental) e secundariamente por seu relevo topográfico e características da superfície. A precipitação média anual varia de 1,800 mm na Chapada dos Parecis, na parte mais ao Norte da bacia, até 800 mm no cone aluvial do rio Taquari, perto do centro da bacia (Projeto RADAMBRASIL, 1984). Dentro desses limites, a precipitação média anual aumenta para as montanhas e planaltos no perímetro da bacia e decresce na direção das planícies aluvionais no centro da bacia.

A precipitação se concentra nos meses de verão. O período de três meses mais úmidos é Dezembro-Fevereiro; o mais seco é Junho-Agosto. A distribuição temporal da precipitação apresenta uma tendência de variar espacialmente numa direção geral Norte-Sul. O percentual de precipitação anual no período dos três meses mais úmidos é maior no Norte (48% em Cáceres), decrescendo gradualmente para o Sul (para 36 por cento em Porto Murtinho). Dessa forma, a porção Norte da bacia é sujeita a inundação por cursos d'água tributários. Por outro lado, a percentagem de precipitação anual no período dos três meses mais secos é menor no Norte (3% em Cáceres), gradualmente aumentando na direção do Sul (8% em Corumbá, e 12% em Porto Murtinho) (EDIBAP, 1979). Isso indica a possibilidade de secas locais recorrerem numa base anual.

Em qualquer curso d'água permanente, o número de picos de cheia por ano é uma boa indicação da extensão na qual o escoamento de superfície está sujeito a difusão (i.e., sendo atenuado ou amortecido) pelas condições geomorfológicas predominantes. Se o número de picos de cheia por ano é alto, digamos mais do que 10, há pouca difusão do escoamento. Inversamente, se há somente um pico de cheia, a difusão do escoamento está em seu máximo. Os tributários do Alto Paraguai tem diversos picos de cheia, após intensos temporais que cobrem toda ou parte de suas respectivas bacias de drenagem. O rio Cuiabá em Cuiabá, por exemplo, tem 15 picos de cheia por ano, em média; o rio Taquari em Coxim tem 18 picos de cheia; o rio Miranda em Miranda tem 12 picos de cheia (DNOS, 1974). Uma sequência de vários picos de cheia demonstra a natureza local das cheias bem como a ausência de amortecimento significante (o gradiente do canal varia de 7 a 50 cm/km, Tabela 3).

Ao contrário de seus afluentes, o rio Paraguai se comporta de maneira diferente em relação ao número de picos de cheias. Isso reflete seu gradiente suave (0.7 a 6.5 cm/km) e a presença do Pantanal, o qual armazena e amortece mais ainda o picos das cheias. O efeito global desse processo hidrológico é uma redução no número de picos de cheia. Em Cáceres, próximo a entrada para o Pantanal, há uma média de cinco picos de cheia por ano. Todavia, o número de picos de cheia decresce notavelmente para jusante, para um em Amolar, um em Ladário e um ou dois de Porto da Manga a Forte Coimbra. À jusante de Forte Coimbra, o número de picos aumenta um pouco devido às contribuições locais. Todavia, os picos gerados localmente tendem a ser muito menores do que os picos propagados de montante (Hydrotechnic Corporation, 1979).

As cheias no Alto Paraguai foram classificadas como se segue (DNOS, 1974; Carvalho, 1986):

  • Cheias comuns, as quais são excedidas 75% do tempo (período de retorno menor que 2 anos),

  • Cheias médias, as quais são excedidas 50% do tempo (período de retorno de 2 anos),

  • Cheias extraordinárias, que são excedidas 25% do tempo (período de retorno de 4 anos),

  • Cheias excepcionais, as quais são excedidas 10% do tempo (período de retorno de 10 anos).


Os registros hidrográficos em Ladário (1900-95) mostram a forte capacidade amortecedora do Pantanal a montante desse ponto. Durante o período de registro de 96 anos, a onda de cheia sempre teve uma duração de 12 meses, isto é, uma ascendente e uma recessão por ano. A ascendente começa normalmente em Dezembro e termina em Junho; a recessão começa em Junho e termina em Dezembro. A ocorrência do pico de cheia em Ladário varia com o nível da cheia; ela é acelerada (para Maio ou Abril) durante cheias extraordinárias e excepcionais, e retardada (para Junho ou Julho) durante um ano típico (cheias comuns ou médias), e novamente acelera das (para Abril, e em casos raros para fins de Março) durante secas multianuais. Esse último comportamento é devido ao fato de que a vazão de seca é, na sua maior parte, contida nas margens do rio (Seção 4.1.1).

Tabela 13.   Cotas máximas sazonais em Ladário, 1900-95.1
Ano Mês Dia Nível da escala
(cm)
Elevação
da superfície d'água
(m)
1900 06 25 432 86.47
01 06 10 439 86.54
02 06 04 500 87.15
03 05 16 271 84.86
04 06 03 500 87.15
05 05 11 662 88.77
06 05 06 561 87.76
07 07 13 369 85.84
08 07 23 369 85.84
09 05 27 277 84.92
10 03 23 200 84.15
11 06 21 217 84.32
12 06 17 510 87.25
13 04 08 639 88.54
14 07 10 357 85.72
15 04 12 151 83.66
16 07 25 326 85.41
17 06 14 513 87.28
18 07 22 345 85.60
19 07 08 300 85.15
20 05 12 637 88.52
21 04 07 607 88.22
22 06 13 426 86.41
23 06 14 550 87.65
24 07 04 341 85.56
25 07 20 230 84.45
26 06 18 547 87.62
27 07 02 407 86.22
28 07 08 287 85.02
29 06 04 531 87.19
30 06 06 520 87.35
31 06 03 550 87.65
32 05 21 598 88.13
33 05 16 511 87.26
1934 07 01 399 86.14
35 06 11 574 87.87
36 06 14 226 82.41
37 07 11 243 84.58
38 06 08 160 83.75
39 06 16 201 84.16
40 06 12 503 87.18
41 05 28 196 85.11
42 06 28 525 87.40
43 06 23 503 87.18
44 06 10 201 84.16
45 06 19 524 87.41
46 07 15 415 86.30
47 07 08 457 86.72
48 06 26 192 85.07
49 05 03 532 87.47
50 06 08 507 87.22
51 06 26 415 86.30
52 07 02 465 86.80
53 06 30 286 85.01
54 07 12 442 86.57
55 06 30 264 84.81
56 08 02 430 86.45
57 07 11 416 86.31
58 06 24 501 87.16
59 05 07 591 88.06
60 05 25 492 87.07
61 06 21 434 86.51
62 06 10 225 84.40
63 06 19 447 86.62
64 04 01 133 85.48
65 07 07 274 84.89
66 05 22 248 84.63
67 04 24 163 85.78
1968 06 06 205 84.20
69 05 31 180 83.95
70 06 16 213 84.28
71 05 28 265 84.80
72 05 25 187 84.02
73 06 18 209 84.24
74 05 25 543 87.58
75 07 16 433 86.48
76 06 22 485 87.00
77 04 20 552 87.67
78 05 02 536 87.51
79 03 24 628 88.41
80 04 18 617 88.32
81 05 19 546 87.61
82 04 21 652 88.67
83 05 10 536 87.51
84 05 23 507 87.22
85 04 15 607 88.22
86 06 27 433 86.48
87 06 07 499 87.14
88 04 17 664 88.81
89 05 13 612 88.27
90 06 26 450 86.65
91 05 27 549 87.64
92 06 17 538 87.53
93 05 18 516 87.31
94 07 12 394 88.09
95 04 14 656 88.71
1Fonte:  DNAEE (Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica), Brasília, e CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), Rio de Janeiro.

Tabela 14.   Cotas mínimas sazonais em Ladário, 1900-95.1
Ano Mês Dia Nível da escala
(cm)
Elevação
da superfície d'água
(m)
1900 12 01 172 83.87
01 11 04 112 83.27
02 12 25 135 83.50
03 10 03 031 82.46
04 11 07 200 84.15
05 12 28 190 84.05
06 11 22 085 83.00
07 11 25 145 83.60
08 10 29 202 84.17
09 10 07 021 82.36
10 10 17 -046 81.69
11 11 02 028 82.43
12 11 12 153 83.68
13 12 22 100 83.15
14 12 16 074 82.89
15 10 06 -031 81.84
16 11 14 026 82.41
18 01 02 078 82.93
18-2 11 18 102 83.17
19 11 14 127 83.42
20 12 21 294 85.09
22 01 07 142 83.57
22-2 11 23 102 83.17
24 02 18 197 84.12
24-2 11 18 034 82.49
25 10 08 110 83.25
26 12 22 148 83.63
27 11 29 050 82.65
28 11 13 090 83.05
29 12 06 138 83.53
30 11 06 155 83.70
32 01 14 217 85.32
32-2 11 30 202 85.17
33 12 07 118 83.33
1934 11 26 135 83.50
36 02 22 172 83.87
36-2 10 27 -013 82.02
37 11 22 037 82.52
38 09 19 -027 81.88
39 10 23 -021 81.94
40 12 09 113 83.28
41 10 16 000 82.15
43 01 02 095 83.10
44 02 12 137 83.52
44-2 10 05 -039 81.76
45 12 11 104 83.19
46 12 06 088 83.03
47 12 24 086 83.01
48 10 01 -018 81.97
49 10 31 059 82.74
50 11 21 102 83.17
51 12 06 087 83.02
52 12 15 096 83.11
53 11 17 057 82.72
54 12 16 082 82.97
55 11 30 007 82.22
56 12 12 156 83.71
57 11 05 174 83.89
58 12 18 236 84.51
59 12 30 153 83.68
60 12 12 150 83.65
61 12 24 085 83.00
62 11 30 010 82.25
64 01 12 030 82.45
64-2 09 15 -061 81.54
65 11 22 059 82.74
66 10 15 -004 82.11
67 10 12 -053 81.62
1968 10 18 -021 81.94
69 09 28 -053 81.62
70 12 28 -019 81.96
71 09 20 -057 81.58
72 10 09 000 82.15
73 10 19 -002 82.15
74 12 02 128 83.43
75 11 23 136 83.51
76 12 15 217 84.32
77 12 18 218 84.33
78 12 05 195 84.10
79 12 17 177 83.92
80 12 19 220 85.35
81 12 06 171 83.86
82 12 20 245 84.60
83 12 29 234 84.51
84 12 01 247 84.62
86 01 03 150 83.65
86-2 12 13 124 83.39
87 11 24 129 83.44
88 12 07 136 83.51
89 12 06 205 84.20
90 12 20 190 84.05
92 01 10 228 84.43
93 01 11 321 85.36
93-2 12 15 130 83.45
94 11 23 134 83.51
1Fonte:  DNAEE (Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica), Brasília, e CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), Rio de Janeiro.

A previsão de vazões de cheias ao longo do rio Paraguai usando modelos matemáticos foi tentada pelo DNOS (1974) e EDIBAP (1979). Contido por fundos limitados, o modêlo do DNOS continua a ser operado, até essa data, pela Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM), no Rio de Janeiro. É uma tarefa difícil por causa da variabilidade espacial e temporal e a complexidade dos processos hidrológicos, os quais incluem alta sinuosidade do canal, bifurcações, transbordamentos, drenagem endorréica, e a presença de macrófitas aquáticas nas águas de superfície. Isso é ainda mais complicado pela natureza complexa da interação entre águas superficiais e subsuperficiais, desde que o Pantanal tem um ganho líquido de água em anos úmidos e uma perda líquida em anos secos (EDIBAP, 1979; Adámoli, 1986).

A velocidade de propagação da onda de cheia anual pode ser prontamente extraída das medições de descarga. Dessa forma, foi estabelecido que uma onda de cheia típica leva cerca de 130-150 dias para transladar-se de Cáceres a Porto Murtinho. Isso representa uma velocidade média de propagação de somente 0.09-0.11 m/s. Esse valor extremamente baixo é devido à contribuição substancial dos transbordamentos de canal para a propagação da onda de cheia total (Fig. A15).

Fig. A15  Inundação da Isla Margarita, no rio Alto Paraguai, Paraguai.

A Tabela 15 mostra as vazões de estiagem, médias anuais e picos de cheia ao longo do rio Alto Paraguai. Também são mostrados a razão entre picos de cheia e vazões de estiagem, e entre picos de cheia e vazões médias anuais. Os baixos valores dessas relações (comparados com outros rios em condições climáticas semelhantes) mostram que o Alto Paraguai é muito eficaz no que se refere a diminuição dos picos de cheias, e no correspondente aumento das vazões de estiagem. Isso é devido a presença do Pantanal. Dessa forma, o Pantanal é a característica geomorfológica que estabelece o mecanismo para o "espalhamento" (amortecimento) das vazões de cheia e, consequentemente, o aumento da permanência das vazões de estiagem.

Tabela 15.   Comparação de vazões baixas, vazões médias anuais e picos de cheia
ao longo do Alto Paraguai.1

Estação Vazão baixa1 Q1
(m3/s)
Vazão média anual2 Qa
(m3/s)
Pico de cheia1 Qp
(m3/s)
Razão
Qp / Q1
Razão
Qp / Qa
Cáceres 140 382 1,281 9.15 3.35
Descalvados 270 437 781 2.89 1.79
Porto Conceição 175 341 536 3.06 1.57
Bela Vista do Norte 27 144 215 7.96 1.49
Amolar 432 943 1,747 4.04 1.85
Porto São Francisco 492 1,046 2,801 5.69 2.68
Ladário 441 1,261 1,942 4.40 1.54
Porto da Manga 594 1,340 2,331 3.92 1.74
Porto Esperança 589 1,412 4,098 6.96 2.90
Forte Coimbra 635 1,467 3,510 5.53 2.39
Barranco Branco 573 1,505 3,455 6.03 2.29
Fecho dos Morros 586 1,549 3,748 6.40 2.42
Porto Murtinho 549 1,555 3,721 6.78 2.39
1Fonte:  DNOS (1974), DNAEE, e Hidrologia S. A. 2Fonte:  EDIBAP (1979).


3.3.3  Vazões de Estiagem e Secas

A Tabela 14 mostra o nível mínimo sazonal da superfície d'água em Ladário, de 1900 a 1994. As seguintes conclusões podem ser inferidas desses dados:

  • A vazão mínima sazonal ocorre usualmente tarde durante o ano civil, nos meses de Novembro ou Dezembro, embora ocasionalmente possa avançar para Outubro, ou atrasar para Janeiro ou Fevereiro.

  • A vazão mínima sazonal foi registrada como valor zero do linímetro, ou abaixo, nos seguintes anos ou períodos de seca:

    • Em 1910 e 1915.

    • Cinco vezes durante o período de seca de nove anos, de 1936 a 1944.

    • Em 1948.

    • Nove vezes durante o período de seca de dez anos, de 1964 a 1973.

Como mostrado pelos registros da régua em Ladário, o Alto Paraguai tem uma tendência de apresentar secas multianuais, com um período de retorno de 28-30 anos. A falta de dados mais extensivos impede uma análise mais completa. Contudo, essa tendência é evidenciada pelos dados e deve ser reconhecida.

De acordo com o EDIBAP (1979), os registros de Ladário, de 1900 até 1977, mostram uma tendência para o decréscimo das vazões máximas e mínimas sazonais. Em vista do período úmido que esta em curso desde 1974, essa conclusão necessita ser revisada.


3.3.4  Rendimento Hídrico da Bacia

A complexidade da hidrologia do Alto Paraguai exclui uma análise detalhada do rendimento hídrico da bacia versus precipitação anual. Todavia, uma análise aproximada baseada na precipitação média anual é possível. Durante um ano úmido, a precipitação anual P é separada em três partes:

  1. Escoamento superficial R,

  2. Vaporização V, a qual consiste da evapotranspiração da vegetação, evaporação dos corpos de água, e evaporação do solo descoberto; e

  3. Mudanças no armazenamento da bacia DS, consistindo do armazenamento de superfície, subsuperfície e águas subterrâneas.


A percolação profunda é normalmente pequena ou intratável, e pode ser negligenciada em termos práticos (L'vovich, 1979). Durante um ano úmido, parte da precipitação anual é armazenada na bacia; ao contrário, durante um ano seco, a precipitação anual mais uma fração do armazenamento da bacia se tornam escoamento superficial e vaporização

Uma simples equação de balanço de massa pode ser formulada como se segue:

P = R + V ± ΔS (3.1)

onde ΔS é positivo durante um ano úmido e negativo durante um ano seco (Adámoli, 1986a). Em um ano médio, onde as alterações no armazenamento da bacia são reduzidas a um mínimo, a equação acima se reduz a:

P = R + V (3.2)

da qual o rendimento hídrico médio da bacia pode ser calculado.

A precipitação média anual espacialmente ponderada na bacia do Alto Paraguai é de 1,380 mm de acordo com o EDIBAP (1979), ou de 1,180 mm de acordo com o RADAMBRASIL (1984). Essa estimativa é baseada em mapas de isoietas preparadas para a parte brasileira da bacia (71%). Mapas comparáveis para o restante da bacia, a porção que está situada no Leste boliviano e Noroeste paraguaio, não estão disponíveis.

A descarga média anual no escoadouro da bacia, na confluência com o rio Apa (veja Tabela 12) é de 1,565 m3/s. De acôrdo com o DNOS (1974), a média de seis anos de medição de descargas anuais (o período 1965-71) em Porto Murtinho é de 1,212 m3/s. Todavia, esse valor é muito baixo porque esse foi um período particularmente seco (veja Seção 3.3.3). Um período maior e mais úmido (1969-78) de medições em Porto Murtinho (33 medições de descarga) forneceu 2,188 m3/s (Hidrologia S.A., dados não publicados).

A área de drenagem da bacia na foz é de 496,000 km2 (Seção 2.2.). Dada essa informação, o coeficiente de escoamento superficial médio anual Kr, i.e., a razão entre escoamento superficial e precipitação, pode ser calculado como se segue:

            (1,565 m3/s) (86,400 s/d) (365 d/y) (1,000 mm/m)            
Kr  =  ___________________________________________________  =  0.072
               (1,380 mm/y) (496,000 km2) (1,000 m/km)2      
(3.3)

Um cálculo semelhante, assumindo um valor intermediário da descarga média anual Qa = 1,700 m3/s, com P = 1,180 mm/ano leva a sequinte equaação::

            (1,700 m3/s) (86,400 s/d) (365 d/y) (1,000 mm/m)            
Kr  =  ___________________________________________________  =  0.091
                (1,180 mm/y) (496,000 km2) (1,000 m/km)2      
(3.4)

Dessa forma, o coeficiente de escoamento superficial médio anual para a bacia do Alto Paraguai pode ser considerado como Kr = 0.08. Esse valor é interpretado significando que em um ano médio, o escoamento superficial no escoadouro da bacia corresponde a 8% da precipitação, com o balanço retornado para a atmosfera como evaporação e evapotranspiração (i.e., o coeficiente de vaporização é Kv = 0.92). Uma análise similar para o período de 11 anos de 1965-76, mostrou um coeficiente de escoamento superficial variando na faixa de 7-14%, com uma média de 10% (EDIBAP, 1979).

Os cálculos acima confirmam que o Pantanal funciona não somente como um mecanismo amortecedor de vazões de cheia (e consequente aumento de vazões de estiagem), mas também como um mecanismo de abstração (redução) de todos os escoamentos, i.e., como um meio efetivo de armazenar o escoamento superficial que eventualmente escoaria e o convertendo em evaporação ou evapotranspiração. Através de milênios, esse processo tem sido responsável pela manutenção do extraordinário potencial biótico do Pantanal (Tricart, 1982).

Através de comparações, o escoamento superficial médio anual em Cáceres, na en trada Norte do Pantanal, é de 382 m3/s, e a área de drenagem contribuinte é de 33,860 km2 (Tabela 12). A precipitação média anual da sub bacia varia de 2,000 mm nas cabeceiras a 1,300 mm em Cáceres (EDIBAP, 1979). Isso corresponde a um coeficiente de escoamento superficial Kr = 0.22, o qual é 2.75 vezes aquele do Alto Paraguai no seu escoadouro. Da mesma forma, o escoamento superficial médio anual do rio Paraná em Corrientes (Argentina) foi calculado em Kr = 0.16 para a década de 1962-71, Kr = 0.19 para 1972-81, e Kr = 0.22 para 1982-91 (Ponce, 1994). Esses valores são de 2 a 2.75 vezes maiores do que o do Alto Para guai no seu escoadouro.

Esses cálculos confirmam que as propriedades notavelmente intensas de atenuação (amortecimento) e abstração (redução) do Alto Paraguai são devidas a presença do Pantanal, enquanto os coeficientes de escoamento superficial médios anuais do Alto Paraguai em Cáceres (imediatamente à montante do Pantanal) e do rio Paraná em Corrientes (964 km à jusante do Pantanal) apresentam bacias mais tipicamente sub úmidas/úmidas.

A evapotranspiração potencial anual no Pantanal varia espacialmente de menos de 1,100 mm para mais de 1,400 mm, de acordo com o método de Thornthwaite (Alfonsi e Camargo, 1986). Dados de tanques evaporimétricos, medidos em Fazenda São João e Fazenda Rio Negro para o período 1971-72 mostram 1,650 mm (Tarifa, 1986).

A evapotranspiração real em um ano médio é estimada em:

Ea = 0.92 × 1,180 mm = 1,086 mm (3.5)

ou,

Ea = 0.92 × 1,380 mm = 1,270 mm (3.6)

dependendo de qual valor da precipitação média anual é utilizado no cálculo (Projeto RADAMBRASIL, 1984; ou EDIBAP, 1979). Dessa forma, em uma base anual, a evapotranspiração real na bacia do Alto Paraguai é muito semelhante a evapotranspiração potencial.

O cálculo do coeficiente de escoamento superficial é baseado no escoamento superficial no escoadouro da bacia, e não inclui escoamento de subsuperfície nessa seção, o que pode ser realístico mas difícil de avaliar diretamente. A existência de uma certa quantidade de escoamento de subsuperfície é postulada com base no fato de que a descarga média anual em Assunção, no Médio Paraguai, 542 km à jusante da confluência com o rio Apa é de 2,700 m3/s (INTERNAVE, 1990). O aumento de mais de 1,000 m3/s é difícil de explicar, particularmente porque não há maiores aportes de vazões. OEA (1975) calculou que as contribuições combinadas dos rios Apa, Aquidabán e Ypané, todos com postos fluviométricos, é de cerca de 180 m3/s. A contribuição do Aguaray-Guazú e outros tributários sem postos fluviométricos é estimada em cerca de 100 m3/s, baseado em comparações de áreas drenadas. O escoamento de subsuperfície, se existente em quantidade substancial, teria o efeito de reduzir o coeficiente de vaporização Kv para um valor um pouco mais baixo, digamos em torno de 0.88-0.90, o qual ainda é alto em comparação com outras bacias em situação climática semelhante.


3.3.5  Sedimentologia

Medições de sedimentos, os quais incluem cascalho fino, areia, silte e partículas de argila ao longo do Alto Paraguai têm sido escassas. Os mais longos registros existentes são aqueles de Cáceres e Porto Esperança (Fig. 3).

Os dados de Cáceres, mostrados na Tabela 16, consistem de 55 medições de des carga total de sedimentos, feitas uma vez ao mês, entre Março de 1977 e Fevereiro de 1982. As amostras de sedimento em suspensão foram obtidas por integração na vertical, tendo sido também obtidas amostras do material de leito. Os dados de Porto Esperança, mostrados na Tabela 17, consistem de 52 medições feitas com a mesma metodologia, efetuadas entre Abril de 1977 e Novembro de 1981.

Essas medições e os cálculos pertinentes foram efetuados pela Hidrologia S.A., para o hoje extinto Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS). As metodologias utilizadas foram os métodos de Einstein Modificado e o de Frijling-Kalinske.

Tabela 16.   Medições de descarga de sedimentos, Alto Paraguai em Cáceres. 1
Data Descarga líquida
(m3/s)
Descarga de sedimentos
(toneladas/dia)
Concentração
de sedimentos
(mg/litro)
25MAR77 709 12,207 199
27MAY77 585 13,272 262
30JUN77 421 7,051 194
19JUL77 306 7,377 279
28AUG77 246 5,362 252
17SEPT77 232 6,531 326
25OCT77 271 7,359 314
20NOV77 349 15,300 507
31JAN78 930 13,452 167
16FEB78 618 8,061 151
06MAR78 963 14,973 180
22MAR78 911 9,651 123
08MAY78 624 20,256 376
13MAY78 666 22,655 394
10JUN78 557 13,804 287
10JUL78 395 6,190 181
03AUG78 305 6,310 239
09SEPT78 260 1,864 83
09OCT78 253 1,443 66
03NOV78 388 10,946 326
05DEC78 480 5,690 137
03JAN79 977 4,540 54
11FEB79 1,236 5,875 55
26MAR79 1,188 7,183 70
10APR79 1,094 5,172 55
19MAY79 695 3,605 60
08JUN79 544 2,998 64
04JUL79 434 1,577 42
09AUG79 334 1,895 66
04SEPT79 315 1,265 46
02OCT79 372 2,156 67
05NOV79 374 2,472 76
05DEC79 315 2,040 75
03JAN80 701 2,760 45
01FEB80 990 3,917 46
09MAR80 1,565 3,993 29
01APR80 991 12,674 150
07MAY80 760 18,730 285
01JUN80 724 13,540 216
02JUL80 422 2,147 59
01AUG80 329 1,567 55
05SEPT80 299 2,018 78
01OCT80 322 1,298 47
03NOV80 345 1,242 42
15DEC80 581 4,080 81
19JAN81 1,013 39,662 453
01FEB81 1,379 4,690 39
05MAR81 1,021 7,535 85
01APR81 997 4,333 50
12MAY81 606 1,460 28
26JUN81 408 1,783 51
10AUG81 287 1,202 48
05OCT81 302 1,239 47
14DEC81 521 2,440 54
02FEB82 895 24,051 311
1Fonte:  DNOS, DNAEE, e Hidrología S. A. (dados não publicados).

Tabela 17.   Medições de descarga de sedimentos,
Alto Paraguai em Porto Esperança.1

Data Descarga líquida
(m3/s)
Descarga de sedimentos
(toneladas/dia)
Concentração
de setimentos
(mg/litro)
03APR77 3,520 160,020 526
28MAY77 4,152 172,469 481
04JUN77 4,223 103,238 283
18AUG77 2,730 77,263 327
16SEPT77 2,383 72,821 353
07OCT77 1,979 63,809 373
17NOV77 1,642 127,336 897
06DEC77 1,426 59,946 486
13JAN78 1,816 94,025 599
02FEB78 3,207 102,809 371
27MAR78 2,802 93,364 385
05MAY78 3,382 66,867 229
12MAY78 3,853 125,559 377
23JUN78 3,142 68,467 252
09JUL78 2,776 63,622 265
09OCT78 1,578 22,406 164
22DEC78 1,505 7,709 59
23JAN79 2,388 11,248 54
20FEB79 2,950 11,063 43
17MAR79 5,881 30,768 60
11APR79 5,312 17,046 37
09MAY79 4,469 18,888 49
19JUN79 3,718 12,359 38
20JUL79 3,146 19,445 72
30AUG79 2,568 8,552 39
26SEPT79 2,174 20,033 107
25OCT79 1,833 16,889 107
15NOV79 1,561 8,287 61
28DEC79 1,701 8,540 58
11JAN80 1,770 8,000 52
23FEB80 2,160 12,060 65
31MAR80 3,813 34,480 105
03APR80 5,623 46,804 96
16MAY80 5,078 20,379 46
26JUN80 3,754 17,357 53
10JUL80 3,536 9,116 30
06AUG80 2,866 9,780 39
06SEPT80 2,250 10,086 52
04OCT80 2,062 10,381 58
18NOV80 1,853 13,050 81
16DEC80 1,378 11,073 93
23JAN81 2,416 77,990 373
01FEB81 2,827 11,190 46
26MAR81 3,315 26,705 93
01APR81 3,573 17,005 55
22MAY81 4,220 18,491 51
11JUL81 3,803 5,998 18
24JUL81 3,332 3,483 12
17SEPT81 2,327 36,030 179
30SEPT81 2,060 31,968 179
16NOV81 1,565 14,226 105
27NOV81 1,460 13,523 107
1Fonte:  DNOS, DNAEE, e Hidrologia S. A. (dados não publicados).

Os valores mostrados nas Tabelas 16 e 17 são de descargas sólidas totais, consistindo de:

  • Material sólido de fundo, i.e., partículas grosseiras (basicamente cascalho e areia), transportados por arraste e rolagem ao longo do leito,

  • Carga de material de fundo em suspensão, i.e., partículas grosseiras transportadas em suspensão, e

  • Carga de material fino em suspensão, i.e., partículas finas em suspensão, cuja concentração depende da disponibilidade de fonte e não da hidráulica de fluxo.

Essas medições permitem as seguintes observações com respeito ao transporte de sólidos suspensos totais no Alto Paraguai:

  1. A concentração medida de sedimentos em Cáceres varia entre 28 mg/l e 507 mg/l, com a média de 147 mg/l e desvio padrão de 122 mg/l (Tabela 18).

  2. A concentração medida de sedimentos em Porto Esperança varia entre 12 mg/l e 897 mg/l, com a média de 176 mg/l e desvio padrão de 183 mg/l (Tabela 18).

  3. A correlação entre descarga de sedimentos e descarga líquidas em ambas as estações de medição é fraca. Isso é devido, parcialmente, à presença de cargas de material fino em suspensão, cuja concentração não depende da vazão. Geralmente, a concentração das cargas de material fino em suspensão é uma função do grau de perturbação natural ou antrópica na bacia hidrográfica, à montante da estação de medição.

Tabela 18.   Sumário de medições de descarga de sedimentos
no Alto Paraguai e tributários.1

Rio/tributário Estações fluviométricas No. de pontos de dados Concentração máxima (ppm)2 Concentração média (ppm)2 Concentração mínima (ppm)2 Desvio padrão (ppm)2
Paraguai Cáceres 55 507 147 28 122
Cuiabá Cuiabá 51 985 235 23 211
Piquiri Estrada BR-163 60 1,224 362 60 239
Taquari Coxim 60 2,504 845 198 557
Aquidauana Aquidauana 63 1,792 620 97 411
Miranda Estrada MT-738 60 2,650 626 112 551
Paraguai Porto Esperança 52 897 176 12 183
1Fonte:  Fonte: DNOS, DNAEE, e Hidrologia S. A., dados não publicados.
2 Em concentrações menores que 5,000 ppm, 1 mg/liter é aproximadamente igual a 1 ppm, i.e., 1 mg/liter é menor que 1.01 ppm.

A Tabela 18 inclui um sumário das medições de descarga de sedimentos em postos ao longo dos principais tributários do Alto Paraguai: Cuiabá, Piquiri, Taquari, Aquidauana e Miranda. A Fig. 3 mostra a localização das estações de medição. Baseado nesses dados limitados mas significantes, uma análise preliminar do balanço de sedimentos é elaborada na Seção 4.2.

[Errata da edição online].


3.4  Cenário Ecológico

O cenário ecológico da bacia do Alto Paraguai e do Pantanal Matogrossense é único no continente americano. A bacia é estrategicamente localizada de forma contígua a quatro importantes biomas sul americanos, os quais o cercam, nele exercendo sua influência (EDIBAP, 1979; Adámoli, 1986b):

  1. A floresta tropical Amazônica ao Norte e Noroeste

  2. A savana sub úmida (cerrados) do Brasil Central para o Nordeste, Leste e Sudeste

  3. A floresta úmida Atlântica ao Sul

  4. A floresta arbustiva do semiárido (Chaco) do Leste boliviano e Noroeste paraguaio para o Oeste e Sudoeste.


A combinação incomum das condições geológicas, geomorfológicas e hidrológicas (ver Seções 3.1 a 3.3) contribuiu para a riqueza e diversidade de paisagens e microclimas associados no Pantanal. Estas condições sustentam um grupo diverso de ecossistemas permanentemente aquáticos, outros sazonalmente alagáveis, e os de terra firme. Os dois primeros recebem sazonalmente aporte de umidade, sedimentos e nutrientes, en cuanto os de terra firme tem suas características definidas pela alternância de estações secas e úmidas bem definidas. Todo este processo se verifica em torno da alta taxa de vaporização (estimada em até 92% em um ano médio) o que caracteriza o balanço hídrico da bacia do Alto Paraguai.


3.4.1  Flora

na literatura existente, a vegetação do Pantanal é frequentemente apontada como uma unidade singular e referida como o complexo "Pantanal." Na realidade, esse último é um mosaico de muitas comunidades diferentes, com frequentes mudanças abruptas, comumente correlacionadas com a topografia, e muitas áreas de transição (ecotones). O Pantanal não possui flora endêmica própria; antes, é formado de elementos de mata (florestas decíduas e semidecíduas transicionais para a floresta tropical Amazônica e a floresta úmida Atlântica), campo (pradarias), cerrado (bosque de savana), e caatinga (floresta arbustiva de deserto).

A três zonas principais de vegetação no Pantanal (Veloso, 1947):

  1. A zona aquática e hidrófila,

  2. A zona higrófila, e

  3. A zona mesófila.


A zona hidrófila é permanentemente inundada. É caracterizada por três tipos de vegetação:

  • Aquática em águas de passagem (Eichhornia crassipes, Pistia, Elodea);

  • Aquática flutuante em águas estagnadas (Eichhornia azurea, Marsilea, Reussia subo vata); e

  • Aquáticas primordialmente enraizadas em águas rasas (Echinodorus sp., Hydrocleis sp., Limnocharis sp., Victoria amazônica sp., Ludwigia natans) (Silva e Esteves, 1993).

A zona higrófila está dividida em: (a) permanentemente inundada, e (b) pântanos inun dados sazonalmente, com esse último geralmente dominado por uma espécie. As comu nidades de plantas dos alagadiços sazonais incluem o Thalietum (dominado por Thalia geniculata), o Cyperacietum (dominado por Cyperus giganteus), e o Ipomoeætum (dominado por Ipomoea fistulosa).

A zona mesófila coincide com solos aluvionais não inundados. Muitas associações de flora ocorrem nesse tipo de solo, assim como em muitas áreas transicionais (ecotones). Veloso (1947) classificou associações em ordem de desenvolvimento sucessional, e concluiu que a região está num ativo estado de transformação para uma floresta mais mésica.

O aspecto mais relevante do Pantanal é a sua curiosa combinação de vegetação mésica e xérica crescendo lado a lado, resultado da sua combinação única de clima e geomorfologia (Tricart, 1982). No centro do Pantanal, próximo a Corumbá, o clima é nitidamente sazonal, com um período de seca claramente definido. Dada a topografia ser extremamente plana, uma pequena diferença em elevação (um ou dois metros, ou menos) é tudo o que é necessário para fazer uma grande diferença na umidade sazonal do solo, particularmente quando o strata de base é aluvião grosseiro.

Hoehne (1936) se referiu ao Pantanal como uma mistura de Amazonas (hiléia) e Ceará (caatinga), e apontou exemplos dos dois tipos de flora, contrastando o gigantesco candelabra cactus (Cereus peruvianus), e outros cactus tais como Opuntia stenarthra, com as aquáticas da familia Alismataceae e Victoria sp.

Prance e Schaller (1982) e Schaller (1983), entre outros, notaram o forte elemento de cerrado no Pantanal (Fig. A16). Esses cerrados são dominados por espécies tais como Bowdichia virgiloides, Caryocar brasiliense, Curatella americana, Qualea parviflora, e Tabebuia caraiba, as quais são típicas das florestas de savana (planaltos) do Brasil Central. O cerrado ocorre principalmente em terras altas não inundadas, mas também para o limite Leste do Pantanal, onde as terras são inundadas somente por curtos periodos no ápice da estação de cheias. Tal cerrado úmido tende a consistir de numerosas ilhas de cerradão (densa floresta de cerrado) em áreas levemente elevadas que não são inundadas.

Fig. A16  Paratudal (Tabebuia aurea), nas vizinhanças de Corumbá, Mato Grosso do Sul.

As espécies de árvores de cerrado que são mais resistentes ao encharcamento (e.g., Byrsonima crassifolia e Curatella americana) são comuns próximo às fronteiras cerrado/campo, e em ilhas elevadas de solo em campos banhados (Furley e Ratter, 1988) (Fig. A17). A distribuição dessas ilhas produz os campos de murundus, consistindo de uma expansão de campos banhados pontilhados com um padrão regular de montes elevados contendo árvores de cerrado, arbustos e frequentemente montes de térmitas. Os maiores montes, ou capões, possuem forma circular ou elíptica, com comprimentos de até 300 m, e esparsamente distribuídos através dos campos sazonalmente inundados (Ponce e Cunha, 1993).

Fig. A17  Montes elevados contendo árvores de cerrado no Pantanal Matogrossense.

A bem definida fronteira entre campo/cerrado foi documentada por Eiten (1975). No espaço de 1 m, ou mesmo de 0.5 m, a mudança de arbustos e árvores baixas do cerrado para a camada de gramíneas sem plantas lenhosas do campo é completa. A razão para essa mudança abrupta parece ser o fato de que as plantas de cerrado não conseguem se estabelecer e germinar por conta própria em solos continuamente úmidos. Em geral, o campo ocupa um sítio com um lençol freático mais baixo e com maior flutuação, en quanto o cerrado ocupa áreas elevadas, onde o solo raramente ou nunca permanece saturado. Em quase todos os casos, o cerrado para bruscamente nos limites do campo, aparentemente devido a competição entre os dois tipos de vegetação. As espécies de cerrado tolerantes ao encharcamento são capazes de crescer em campos abertos, em lugares onde o nível do solo é somente poucos centímetros mais alto. A observação de que ilhas maiores na paisagem do Pantanal são densamente cobertas com vegetação de cerrado confirma que o nível de água subterrânea exerce um controle preciso na fronteira cerrado/campo.

No Pantanal, a maior tendência de variação da vegetação é altamente cor relacionada com a umidade do solo e a topografia. A patente falta de árvores nos campos alagáveis é notável, particularmente porque um largo espectro de espécies lenhosas coloniza os interflúvios, os quais são mais secos do que os campos, e as mar gens dos cursos d'água (áreas riparianas, ou florestas de galeria), as quais são mais úmidas. A ausência de espécies lenhosas altas em áreas que são intermediárias em suas características físicas é atribuida à natureza flutuante do lençol freático e à associada umidade do solo. Dessa forma, as árvores são capazes de tolerar condições ambientais permanentemente úmidas (floresta de galeria) e úmida para seca (cerrado), mas não uma alternação extrema de saturação e dissecação (Cole, 1960). As áreas sujeitas a essa última condição são colonizadas com sucesso por espécies de gramíneas (campos).

Resumindo, o Pantanal é extremamente rico em diversidade de flora e composição fisionômica (Fig. A18). Sua diversidade de flora é devida à sua localização, entre quatro grandes biomas sul americanos: a floresta tropical Amazônica, as savanas sub úmidas do Brasil Central, a floresta úmida Atlântica e a floresta arbustiva semiárida do Chaco. Sua composição fisionomica diversificada é na maior parte devida à sua variedade de características geomorfológicas/topográficas, as quais incluem baías, barreiros, cordilheiras, vazantes, corixos, capões, murundus e aterros de bugre (Cunha, 1990; Ponce e Cunha, 1993). O pulso de cheia anual reabastece os ecossistemas do Pantanal com água, sedimentos e nutrientes em abundância, assegurando sua continuidade e sobrevivência (Junk et al., 1989).

Fig. A18  Savana inundada sazonalmente perto de Miranda, Mato Grosso do Sul.


3.4.2  Fauna

A diversidade ecológica dos ecossistemas do Pantanal condicionou sua conveniência como habitat para uma variedade de animais, entre as quais estão numerosas espécies de mamíferos, répteis, peixes, pássaros, borboletas e outros invertebrados (Brown, 1986). O Pantanal também serve como local de descanso para muitas espécies de pássaros imgratórios do Hemisfério Norte e outras regiões da América do Sul (Antas, 1983; Brown, 1986; Cintra e Yamashita, 1990).

Fig. A19  Vida selvagem no Pantanal Matogrossense.

Espécies terrestres e anfíbias que habitam o Pantanal incluem (EDIBAP, 1979; Bucher et al., 1993):

  • anta (Tapirus terrestris)

  • ariranha (Pteronura brasiliensis)

  • cachorro do mato (Dusicyon thous)

  • cachorro do mato vinagre (Speothos venaticus)

  • capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) (Fig. A20)

  • cervo do pantanal (Blastocerus dichotomus)

  • ema (Rhea americana)

  • jacaré (Caiman crocodillus, C. yacare)

  • jaguatirica (Felis pardalis)

  • lobo guará (Chrysocyon brachyuruvs)

  • lontra (Lutra longicauda)

  • onça pintada (Pantera onça)

  • porco monteiro (Tayassu pecari)

  • tamanduá bandeira (Myrmecophaga trydactyla)

  • tatu bola (Tolypeutes tricinetus)

  • tatu canastra (Priodontes giganteus)

  • veado campeiro (Ozotocerus bezoarticus).

Essas espécies habitam seletivamente os campos, capões, cordilheiras, florestas de galeria e corpos de água (baías, vazantes, e corixos) do Pantanal. Em particular, as áreas altas (capões, cordilheiras) são usadas por espécies terrestres como abrigo temporário durante a enchente sazonal. A impressionante biodiversidade do Pantanal é devida, em grande parte, ao seu raro conjunto de cenários geológico, geomorfológico e hidrológico.

Fig. A20  Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) ao longo das margens do rio São Lourenço, Mato Grosso.

O manejo da vida silvestre no Pantanal foi discutido por Dourojeanni (1980), Paiva (1984) e Alho (1986), entre outros. A conservação da vida silvestre no Pantanal, particularmente com respeito à onça, foi discutida por Quigley e Crawshaw (1992).

Fig. A21   O jaburu, ou tuiuiu (Jabiru mycteria), símbolo do Pantanal Matogrossense.


4.  IMPACTO HIDROLÓGICO E AMBIENTAL DO PROJETO HIDROVIA
[Sumário]   [Bibliografía]      [Arriba]   [Sumário Executivo]   [Introdução]   [Descrição Geográfica]   [Rio Alto Paraguai]  

Esta Seção avalia o impacto hidrológico do projeto Hidrovia no Pantanal Matogrossense, isto é, as mudanças no escoamento de água e sedimentos a serem esperadas como resultado da implementação do projeto. Uma análise de possíveis impactos a jusante e outros impactos ambientais relacionados é incluída nesta Seção.

A avaliação está dividida em quatro partes:

  1. Impactos no escoamento

  2. Impactos nos sedimentos

  3. Impactos no regime de cheias do rio Paraná

  4. Outros impactos ambientais relacionados.

Esta Seção analisa, interpreta e expande o assunto das seções precedentes.


4.1  Impactos no Escoamento

Os impactos no escoamento causados pelo projeto da Hidrovia no Alto Paraguai e no Pantanal Matogrossense podem ser considerados em quatro categorias:

  1. Mudanças no regime de cheias

  2. Mudanças no escoamento de base

  3. Mudanças no rendimento hídrico

  4. Mudanças no regime de secas.

Normalmente, os efeitos de mudanças naturais ou resultantes de ações antrópicas nos padrões de escoamento são sujeitas a avaliação através do uso de modelagem ma temática (i.e., computacional). Enquanto o uso de modelagem computacional é uma prática de rotina em bacias pequenas e de médio porte, é uma tarefa complexa (e frequentemente um pesadelo logístico) em bacias muito grandes, particularmente aquelas localizadas em regiões remotas e inacessíveis. A bacia do Alto Paraguai, com seus 496,000 km2 (dos quais 145,000 km2 localizados em território boliviano e paraguaio estão basicamente sem nenhum dado disponível), não é propícia à modelagem ma temática. Isso é devido a sua complexidade espacial incomum, que inclui alta sinuosidade de canal, numerosas bifurcações, transbordamentos sazonais e drenagens endorréicas e frequentemente confusas. Além disso, há uma grande abundância de macrófitas aquáticas nas águas de superfície, e uma ativa (e para todos os propósitos práticos, intratável) interação entre águas de superfície e águas subterrâneas.

A modelagem feita no início dos anos 70 pelo DNOS, com a assistência técnica do PNUD/UNESCO, provou ser um desafio (DNOS, 1974). O modelo SSARR (Streamflow Synthesis And Reservoir Regulation), desenvolvido pela North Pacific Division do U.S. Army Corps of Engineers, foi usado para modelar a resposta do Alto Paraguai ao "input" de precipitação distribuída na bacia (U.S. Army Engineer North Pacific Division, 1975). O objetivo foi o de desenvolver uma capacidade de previsão de cheias de tal forma que um alerta suficientemente antecipado pudesse ser dado na eventualidade de uma cheia extraordinária ou excepcional.

Com recursos limitados, o modelo continua a ser operado até essa data pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, no Rio de Janeiro. À luz da complexidade incomum do sistema do Alto Paraguai e o Pantanal adjacente, a capacidade de predição do modelo frequentemente cai abaixo da expectativa. A dificuldade parece ser a inabilidade do modelo de ajustar seus parâmetros em tempo real para levar em conta a vari abilidade da vazão (de canal, várzeas, e planícies de inundação). O SSARR é um modelo conceitual de escoamento, baseado em uma cascata de reservatórios lineares, enquanto o Alto Paraguai e o Pantanal adjacente tem distintos padrões de escoamento bi- e tridimensionais, somados a fortes interações não lineares entre vazões no canal e em planícies de inundação (Fig. A22) (Ponce, 1989). Essas interações não lineares resultam no pico de cheia sendo tipicamente acelerado durante cheias excepcionais e extraordinárias, retardado durante cheias comuns e médias, e novamente sendo acelerado durante anos secos (Seção 4.1.1) (PORTOBRÁS, 1983).

Fig. A22  Interações não lineares entre fluxos dentro e fora da calha do rio.

Para complicar sua diversidade espacial, o Alto Paraguai está constantemente alterando seu leito para se ajustar a mudanças de descarga de água e sedimentos. Além disso, o rio está sujeito a controles geológicos (afloramentos rochosos e montes rochosos protuberantes) que condicionam o desenvolvimento de seu gradiente em uma escala de tempo geológica. Nenhum modelo matemático atualmente disponível é efetivamente capaz de levar em consideração todas essas características e suas variações. Este estudo fará uso de uma análise baseada em princípios estabelecidos de hidrologia e hidráulica fluvial para avaliar o impacto hidrológico da Hidrovia no Pantanal Matogrossense.


4.1.1  Mudanças no Regime de Cheias

A questão é se os melhoramentos propostos para a navegação no Alto Paraguai vão mudar o regime de cheias do rio e afetar o Pantanal Matogrossense. Os melhora mentos propostos para a navegação incluem retificação de canal através de realinhamentos e cortes, dragagem, remoção de soleiras rochosas e outros afloramentos rochosos, e a possibilidade de construção de estruturas de con trole hidráulico (IDB, 1995). Essas intervenções muito certamente causarão um impacto substancial no regime de cheias, cujo grau irá variar de pendendo do tipo e extensão da intervencão e da sua localização ao longo do rio.

Com o fim de avaliar o impacto, as necessidades da Hidrovia são contrastadas aqui com a natureza do rio. A Hidrovia precisa de um canal suficientemente reto, largo e profundo:

  • Suficientemente reto, para encurtar a distância de viagem (que poderia, por sua vez, reduzir custos de transporte), e para minimizar a necessidade de incômodas e prolongadas manobras em torno de curvas acentuadas (ao ponto de inviabilizar o tráfego de embarcações em comboio), e

  • Suficientemente largo e profundo, para permitir amplo espaço lateral e calado para a passagem segura de embarcações oceânicas ao longo do ano.

Enquanto as dimensões do canal de navegação proposto ainda terão de ser determinadas, um canal de 50 m de largura e 3 m de profundidade foi inicialmente considerado (CEBRAC/ICV/WWF, 1994). Ainda está sendo estudado se o requerimento de profundidade de 3 m será exigido em todo o percurso até Cáceres, o ponto mais à montante da Hidrovia.

Em contraste com o primeiro requerimento da Hidrovia, o rio traça um percurso sinuoso ou apresentando meandros (sinuosidade é definida como a razão entre o comprimento do rio e o comprimento do vale). A sinuosidade do Alto Paraguai varia tremendamente, de 2.93 de 40 km à jusante de Porto Conceição a Refúgio das Três Bocas, a 1.17 de Corumbá até a confluência com o Taquari Velho (Tabela 1). No contexto de trechos individuais, a mais alta sinuosidade está nas vizinhanças de Porto Conceicão, onde as extremidades de um trecho de 50 km estão separadas por uma distância em linha reta de somente 13 km, i.e., uma sinuosidade de 3.85 (INTERNAVE, 1990). Particularmente à montante de Corumbá, onde o rio é mais sinuoso, a retificação do canal certamente irá causar alterações substanciais no regime de cheias.

O efeito da retificação do canal no escoamento de cheias é avaliado através do exame do pico de cheia em Ladário, próximo ao centro do Pantanal (Fig. 3). A Figura 8 mostra o gráfico da altura do pico de cheia versus a data de ocorrência em Ladário. [Nota da edição em linha: Esta figura foi referida como a "nuvem em forma de bumerangue" por estudos posteriores de impacto hidrológico e ambiental da Hidrovia].

A altura média do pico de cheia para todo o período de registro (1900-95) é de 4.45 m. O exame da Fig. 8 conduz às seguintes conclusões:

  • Picos de cheias comuns (período de retorno menor que 2 anos) e médias (2 anos), com altura menor que 4.25 m são retardados para fins de Junho ou Julho, e em ca sos raros, para o início de Agosto.

  • Picos de cheias extraordinárias (4 anos) e excepcionais (10 anos), com altura igual ou maior que 4.45 m são antecipados para o início de Junho, Maio ou Abril, e em casos raros para fins de Março.

  • Durante anos de secas, o pico das cheias também é antecipado (para Abril, ou mesmo fins de Março), desde que a cheia é contida, na sua maior parte, nas margens do rio e assim é capaz de percorrer com mais velocidade.


Fig. 8  O rio Alto Paraguai em Ladário:  Pico da fase de inundação e data de ocorrência.

Como está mostrado na Tabela 13 e na Fig. 8, nos últimos 22 anos (1974-95), a altura mediana do pico de cheia para todo o período de registro foi excedida 19 vezes, i.e., 86% do tempo! A dedução desse fato é que algumas cheias extraordinárias podem ser rebaixadas para cheias médias, possivelmente devido a mudanças na resposta hidrológica as quais podem já estar ocorrendo na bacia (Seção 4.1.4). Dessa forma, se conclui que durante cheias médias altas (2 anos), extraordinárias (4 anos) e excepcionais (10 anos), a retificação do canal vai acelerar a concentração do escoamento e aumentar o pico da onda de cheia.

A sinuosidade reflete a tendência do rio de formar meandros, um processo natural que é condicionado pela sua descarga de água e sedimentos, declividade do canal e atritos de contorno (atrito de leito e margens). Um decréscimo na sinuosidade como resultado de uma retificação de canal aumenta a declividade do canal, leva a mudanças na descarga líquida e sedimentos, e dispara ajustes morfológicos do canal em busca de um novo equilíbrio. Devido a heterogeneidade espacial, em muitos casos esses ajustes são difíceis de avaliar a priori. Todavia, é sabido que a sinuosidade é diretamente relacionada com a estabilidade do canal; dessa forma, uma redução na sinuosidade pode diminuir a estabilidade do canal (Blench, 1986).

Em contraste com o segundo requerimento da Hidrovia, o rio fornece sua própria largura e profundidade, uma função de sua descarga líquida e de sedimentos, declividade do canal, atritos de contorno e grau de controle geológico. A Tabela 1 mostra que a largura de topo, entre margens do Alto Paraguai varia de 120 m de Boca do Bracinho a Barra do Bracinho, a 600 m desde Barra do Nabileque à confluência com o rio Apa. A Tabela 10, Coluna 3, mostra profundidades médias mínimas, as quais variam de 1.25 m em Cáceres a 8.83 m em Porto Murtinho (a profundidade média de uma seção transversal do rio é definida como a área de fluxo dividida pela largura do topo, Chow, 1959). Essas são profundidades médias mínimas medidas (tomadas através da largura do rio), e não profundidades mínimas sazonais na seção mais profunda do canal, como seria requerido para navegação.

Tabela 19.   Profundidades médias medidas ao longo do Alto Paraguai.1,2
Estação No. de medições Mínima Média3 Máxima Variação
Cáceres 95 1.25 3.12 4.78 3.53
Descalvados 22 1.84 2.93 3.72 1.88
Porto Conceição 29 3.83 5.09 6.60 2.77
Bela Vista do Norte 39 2.69 4.00 6.52 3.83
Refúgio das Três Bocas
a. Montante 17 2.08 3.40 5.13 3.06
b. Jusante 17 3.71 4.55 5.45 1.74
Amolar 28 2.34 5.43 7.82 5.48
Porto São Francisco 53 4.77 7.16 9.32 4.55
Ladário 100 3.29 5.24 8.57 5.28
Porto da Manga 46 4.19 7.32 9.79 5.59
Porto Esperança 82 5.94 8.39 12.02 6.08
Forte Coimbra 32 5.49 11.74 17.44 11.95
Barranco Branco 28 5.50 8.54 12.87 7.37
Fecho dos Morros 74 4.60 7.15 11.67 7.08
Porto Murtinho 33 8.83 12.28 15.74 6.91
1Fonte:  DNOS (1974), DNAEE, e Hidrologia S. A. (dados não publicados).
2 Profundidades médias, em metros, foram obtidas dividindo-se a área de fluxo medida pela largura medida do topo da superfície de água.
3 Valor mostrado é a média de todas as medições.

Com base na Tabela 19, conclui-se que o Alto Paraguai à montante de Porto São Francisco é incapaz de acomodar, sem extensos aprofundamentos artificiais do canal, embarcações oceânicas (com um requerimento de calado de 3 m) ao longo de todo o ano.

A Tabela 19 mostra que à jusante de Porto São Francisco, o rio é suficientemente profundo, mesmo durante períodos de estiagem. Desde que Porto São Francisco é pequeno, e localizado somente a 146 km à montante do importante porto comercial de Corumbá/Ladário, esse último é usualmente considerado como ponto de destino do tráfego para montante. O tráfego atual de barcaças de Corumbá para jusante, na direção de Assunção e Buenos Aires é pelo menos duas ordens de magnitude maior do que o tráfego de Corumbá para montante, na direção de Cáceres. De acordo com A Gazeta de Cuiabá, de 21 de Fevereiro, 1995, somente dois barcos com 5,000 toneladas de soja deixaram o porto de Cáceres rumo a Corumbá durante 1994 (International Rivers Network, 1995). Assim, a Hidrovia parece ser viável até Corumbá sem maiores modificações no canal natural. Todavia, a extensão de um canal navegável de 3 m até Cáceres vai requerer grandes intervenções no canal natural.

Além das profundidades médias mínimas medidas, mostradas na Tabela 19, profundidades mínimas sazonais no canal de navegação podem ser menores que 3 m em vários locais ao longo do Alto Paraguai, de Porto Murtinho a Cáceres. Esses locais são referidos como passos, e identificados como tal em cartas de navegação (Marinha do Brasil, 1974). A Tabela 20 lista os 54 passos identificados ao longo do Alto Paraguai. Pode ser notado que 40% desses passos (22 de um total de 54) estão concentrados no trecho mais a montante, Descalvados-Cáceres, onde a navegação é difícil nas melhores circunstâncias. O relatório da INTERNAVE (1990) apontou que a profundidade mínima de escoamento, nos passos localizados entre Descalvados e Cáceres, varia de 0.2 m a 1.5 m em anos secos. Além disso, o Passo Japuíra, no trecho Porto Conceição-Descalvados, parece ser extremamente raso, com profundidade mínima de escoamento de somente 0.1 m durante anos secos.

Tabela 20.   Lista de passos ao longo do Alto Paraguai.1
Trecho/Nome Km. Início Km. Fim
Porto Murtinho-Fecho dos Morros 2,235 2,271
Passo Tarumã 2,251 2,252
Fecho dos Morros-Barranco Branco 2,271 2,322
Passo Cambá Nupá2 2,281  
Passo José Kirá2 2,295  
Barranco Branco-Forte Coimbra 2,322 2,561
Passo Curuçu Cancha2 2,350  
Passo do Cururu 2,470 2,471
Passo Mbiguá2 2,531  
Passo Rebojo Grande 2,538 2,540
Passo Coimbra 2,553 2,554
Forte Coimbra-Porto Esperança 2,561 2,628
Passo Piuvas Inferior 2,573 2,574
Passo Piuvas Superior 2,577 2,578
Passo Gaivota2 2,603 2,605
Passo do Conselho 2,607 2,609
Porto Esperança-Porto da Manga 2,628 2,686
Passo Jacaré2 2,630 2,633
Passo da Figueirinha 2,633 2,635
Passo Caraguatá2 2,660  
Porto da Manga-Ladário 2,686 2,755
Passo Miguel Henrique 2,712 2,715
Passo do Formigueiro 2,722 2,724
Passo de Santana (Jatobá)2 2,729 2,730
Ladário-Porto São Francisco 2,755 2,908
Passo da Faia 2,803 2,804
Passo Domingos Ramos Inferior2 2,831  
Passo Domingos Ramos Superior 2,834  
Passo Tucano2 2,863  
Passo São Francisco 2,906 2,907
Porto São Francisco-Amolar 2,908 2,966
Passo Coqueiro2 2,920  
Passo Rufino 2,937 2,938
Passo Piuva Inferior 2,952 2,953
Passo Piuva Suferior 2,954 2,956
Passo Amolar 2,961 2,963
Amolar-Porto Conceição 2,966 3,182
Passo Capitão Fernandes2 3,147 3,148
Porto Conceição-Descalvados 3,182 3,303
Passo Quebra Mastro2 3,266 3,267
Passo Japuira 3,267 3,268
Passo Descalvados 3,301 3,302
Descalvados-Cáceres 3,303 3,442
Passo Paratudal 3,310  
Passo Descalvadinho2 3,311  
Passo Papagaio2 3,317  
Passo Presidente 3,320  
Passo Morro Pelado 3,322 3,324
Passo Baia das Eguas 3,332 3,333
Passo Corichão 3,335 3,336
Passo Baiazinha 3,340 3,343
Passo do Beiçudo 3,345 3,346
Passo Barranco Vermelho 3,349  
Passo do Soldado 3,350 3,352
Passo Tucum 3,356 3,357
Passo do Pote 3,359 3,360
Passo Cambará 3,360 3,362
Passo Jauru 3,363 3,366
Passo Acuri 3,366 3,368
Passo Simão Nunes Inferior 3,372 3,373
Passo Simão Nunes Superior 3,375 3,377
Passo do Alegre2 3,393  
Passo Passagem Velha 3,403 3,406
Passo Retiro Velho 3,411 3,412
Passo da Ponte 3,440 3,441
1Fonte:  INTERNAVE (1990). 2Fonte:  Marinha do Brasil (1974, e revisões).

O leito do Alto Paraguai é predominantemente arenoso, mas com afloramentos rochosos significantes ao longo de seu comprimento (ver Tabela 8). Observações de relações cota-vazão tem confirmado o fenômeno da chamada "autodragagem," pelo qual o rio procura manter uma profundidade mínima durante vazões de estiagem (PORTOBRÁS, 1983; INTERNAVE, 1990). Esse mecanismo de autodragagem funciona somente enquanto o rio é capaz de mover seu leito livremente. Aparentemente, ajustando a forma e configuração de seu leito, o rio é capaz, durante vazões de estiagem, de reduzir sua descarga enquanto mantém uma cota aproximadamente constante (e uma profundidade mínima). No Alto Paraguai, essa profundidade mínima é de 1.2 m, exceto onde afloramentos rochosos não permitem que a autodragagem se efetue (PORTOBRÁS, 1983). Dessa forma, se não fosse pelas soleiras rochosas, o rio iria produzir uma profundidade mínima de 1.2 m ao longo de todo seu comprimento. Considerando que essa profundidade mínima é violada em muitos lugares ao longo do rio, pode-se concluir que a declividade do Alto Paraguai é geologicamente controlada.

O projeto Hidrovia inclui retificação de canal, dragagem e remoção de soleiras rochosas (IDB, 1995). Cada uma dessas intervenções é aqui discutida separadamente.

Retificação de Canal

A retificação do canal encurta o caminho do escoamento, decresce o tempo de con centração, acelera a concentração de escoamento, e leva a um aumento nos picos de cheias. Esse tipo de intervenção no canal natural está sendo considerado à montante de Amolar, onde o rio é mais sinuoso. A propósito, o relatório da Internave propõe encurtar em 62 km a distância entre Cáceres (km 3,442) e Ponta do Morro (km 3,030) (INTERNAVE, 1990). Sem os detalhes necessários, é difícil avaliar o efeito hidráulico dessa intervenção significante no rio. Todavia, algumas aproximações são possíveis nesse momento. Da Tabela 12, a declividade média do canal de Cáceres a Bela Vista do Norte (km 3,047), 17 km à montante de Ponta do Morro (Fig. 7), é:

(110.09 m - 89.80 m) (100 cm/m) /(3442 km - 3047 km) = 5.14 cm/km

que iria aumentar para

(110.09 m - 89.80 m) (100 cm/m) /(3442 km - 3047 km - 62 km) = 6.09 cm/km

com a implementação da retificação proposta do canal.

Baseado na equação de Manning (Chow, 1959), e assumindo, por simplicidade, con dições de vazão média e contorno rígido, esse aumento na declividade do canal representa um aumento de 5% na velocidade média e um decréscimo de 5% na profundidade.

O efeito das mudanças na declividade do canal também é sujeito a avaliação utilizando-se da largamente conhecida relação de Lane, a qual afirma que o produto da descarga líquida e a declividade do canal é proporcional ao produto da descarga de sedimentos e o tamanho das partículas, como se segue (Lane, 1955):

Qw S Qs d (4.1)

na qual Qw = descarga líquida, S = declividade do canal, Qs = descarga de sedimentos (tomada como a soma da carga sólida de fundo mais carga sólida de fundo em suspensão, excluindo material fino em suspensão), and d = diâmetro médio da partícula. Desde que a concentração de sedimentos é:

Cs = Qs / Qw (4.2)

segue-se que para um dado tamanho de partícula (d constante)

CsS (4.3)

i.e., um aumento na declividade do canal irá causar um aumento proporcional na concentração de sedimentos. Neste caso,

Cs-final / Cs-initial = 6.09 / 5.14 = 1.18 (4.4)

Dessa forma, o realinhamento do canal proposto provavelmente causará um aumento de cerca de 20% na concentração e transporte de sedimentos de material do leito.

Dragagem

A dragagem aumenta a área da seção transversal do canal, embora temporariamente. Isso aumenta a capacidade de transporte de água do canal e a sua habilidade de transportar escoamento (Chow, 1959). Os efeitos hidráulicos da dragagem são difíceis de avaliar diretamente, desde que o rio reage à dragagem ajustando sua carga de material de fundo (carga em suspensão e carga de leito), para eventualmente alcançar um novo equilíbrio. De acordo com Jansen et al. (1982), a longo prazo, haverá degradação a montante, i.e., um rebaixamento do leito do canal o qual irá abaixar o nível de água subterrânea nas vizinhanças, resultando em uma diminuição do escoamento de base.

Remoção de Soleiras Rochosas

A remoção de soleiras rochosas como um meio de aprofundar o canal de navegação irá causar um impacto irreversível na hidrologia do Alto Paraguai. Esta é a mais significante intervenção planejada; se levada a cabo, provavelmente mudará o Pantanal para sempre. A análise de cartas de navegação mostra que, em geral, o rio tem sido capaz, através de uma escala de tempo geológica, de escavar um canal suficientemente profundo através da maioria dos afloramentos rochosos. A propósito, nas vizinhanças de Amolar, no km 2,958, onde o rio em parte se erodiu na Serra do Amolar, a profundidade da água pode atingir valores maiores que 14 m, cortando na maior parte através de rocha. Similarmente, a uma curta distancia para jusante, em Morro Dourados (km 2956), a profundidade da água na margem direita, próximo à colina adjacente, é maior do que 22 m! (Marinha do Brasil, 1974).

Ainda, em outros lugares, onde as soleiras rochosas salientam-se para o canal, a profundidade é menor porque o rio ainda não escavou uma abertura através dessas rochas. O Pantanal existe devido a esses afloramentos rochosos, os quais influenciam os padrões regionais de escoamento em pelo menos três lugares: Amolar, Porto da Manga e Fecho dos Morros (Seção 3.3.1). Em particular, a lombada em Amolar, junto com o possível controle geológico nas vizinhanças da saída da Lagoa Gaíba, são instrumentais na criação do Pantanal de Paiaguás, uma importante região de diversidade biológica (Fig. 4).

A extensão na qual convexidades do perfil do leito (lombadas) podem causar remanso no Alto Paraguai pode ser estimada utilizando-se de princípios da hidráulica de canais abertos (Chow, 1959). A Tabela 21 sumariza as computações dos perfis da superfície de água para Amolar e Porto da Manga, onde lombadas significantes foram identificadas (Seção 3.3.1). Um canal prismático hipotético é assumido por simplicidade. É; demonstrado que a lombada em Amolar (47 cm) aumenta a profundidade da água até uma distância de 339 km (99% do aumento de profundidade à jusante), o que poderia afetar a cota d'água tão a montante quanto Descalvados. Da mesma forma, a lombada em Porto da Manga (44 cm) aumenta a profundidade da lâmina d'água até uma distância de 417 km, o que poderia afetar a cota d'água tão a montante quanto Bela Vista do Norte. Esses cálculos confirmam que mudanças relativamente pequenas no perfil do rio, as quais iriam necessariamente tomar lugar como resultado da remoção de soleiras rochosas, podem afetar a hidráulica de montante em extensões maiores do que pode ter sido antecipado.

Tabela 21.   Estimativa do comprimento do perfil de remanso M1 hipotético
a montante de Amolar e Porto de Manga.1

Estação
Propriedade Unidades Amolar Porto de Manga
Descarga média anual m3/s 943 1,340
Largura de fundo, estimada 2 m 300 300
Declividade lateral da seção, estimada m 1:1 1:1
Declividade do canal 3 cm/km 1.82 2.06
Declividade do canal m/m 0.0000182 0.0000206
Coeficiente de fricção de Manning n 4 - 0.015 0.02
Profundidade normal (yn) m 4.296 6.113
Incremento de profundidade à jusante (Δy) 5 m 0.470 0.440
Profundidade à jusante (yn + Δy) m 4.766 6.553
Amolar
Distância até o Porto Conceição 6 km 216 -
Comprimento do perfil M1 (95% of Δy) km 225 -
Distância até Descalvados 6 km 337 -
Comprimento do perfil M1 (99% of Δy) km 339 -
Distância até Cáceres 6 km 476 -
Porto da Manga
Distância até Amolar 6 km - 280
Comprimento do perfil M1 (95% of Δy) km - 280
Distância até Bela Vista do Norte 6 km - 361
Comprimento do perfil M1 (99% of Δy) km - 417
Distância até Porto Conceição 6 km - 496
1 Baseado no método conhecido como "direct step", assumindo um canal prismático e um intervalo de profundidade de 0.001 m (Chow, 1959).
2 Da Tabela 1. 3 Da Tabela 12. 4 Valor médio medido, baseado nos dados de vazão do DNOS (1974), DNAEE, e Hidrologia S. A.
5 Obtido da Seção 3.3.1. 6 Distância medida ao longo do rio.

A grande extensão do perfil do remanso é a razão porque propostas para estruturas artificiais de controle (e.g., represas, diques e polders) no Alto Paraguai e no Pantanal são geralmente controversas. Sua ação permanente de inundacão de extensas áreas circunvizinhas as quais ou eram previamente secas ou somente inundadas sazonalmente, dificilmente pode ser justificada (Silva, 1990). Pela mesma razão, propostas para a remoção artificial de soleiras rochosas, as quais agem como represas naturais, também são controversas. Se implementadas, elas irão secar extensas áreas que seriam normalmente sujeitas a inundação periódica. O ponto a ser enfatizado com respeito ao Pantanal é que qualquer mudança causará impactos de larga escala espacial.

Além de ser irreversível, a demolição de afloramentos rochosos pode vir a ser insustentável a longo prazo. A eliminação de uma soleira rochosa irá causar degradacão à montante do canal até que um novo leito de equilíbrio, mais baixo do que o leito inicial, seja obtido (Jansen et al., 1982). Isso irá reduzir o nivel de água subterrânea e reduzir o escoamento de base. Mais importante, todavia, a remoção de uma soleira rochosa pode ainda levar ao surgimento de outra soleira rochosa a qual estava previamente submersa (Jansen et al., 1982) (Fig. A23). Essa é uma possibilidade definitiva no Alto Paraguai, o qual possui um afloramento rochoso a cada 40 km em média (Tabela 8), e onde as declividades predominantes do canal são tão suaves (1-2 cm/km) que o efeito de remanso de uma obstrução ao fluxo de 0.5 m pode ser sentida por cerca de 400 km a montante (Tabela 21).

Fig. A23  Farolete Balduíno, no rio Alto Paraguai, perto de Corumbá, Mato Grosso do Sul.

Sumarizando, conclui-se o seguinte:

  • A retificação de canal irá encurtar o percurso do escoamento de superfície, acelerar a concentração do escoamento de cheias e aumentar o pico de cheias durante cheias médias altas (2 anos), extraordinárias (4 anos) e excepcionais (10 anos).

  • O aprofundamento de canal por dragagem de material arenoso do leito pode proporcionar algum alívio para a navegação, mas será temporário e frequentemente de curta duração, pois o rio tende a movimentar seu leito constantemente, de uma maneira mais ou menos imprevisível.

  • A remoção de soleiras rochosas irá produzir alterações permanentes e irreversíveis na hidráulica e na hidrologia do rio, aumentando as velocidades, acelerando a concentração de escoamento superficial, e aumentando os picos de cheias.


Se implementadas, essas ações causarão impactos mais sérios à montante de Corumbá/Ladário, particularmente a montante de Porto São Francisco, onde as profundidades mínimas são bem inferiores à profundidade de canal de 3 m requerida para a navegação de embarcações oceânicas.


4.1.2  Mudanças no Escoamento de Base

Um princípio bem conhecido da hidrologia é que mudanças no regime de cheias produzem mudanças no escoamento de base. Esse princípio é baseado na observação de que quanto mais alto o pico de cheia, menor o escoamento de base; ao contrário, quanto mais baixo o pico da cheia, maior o escoamento de base. A razão para essa relação inversa é que uma gota de chuva que não consegue fazer parte do escoamento superficial da bacia é retida como embebição na bacia (Ponce e Shetty, 1995a), para seguir um dos dois possíveis percursos:

  • Retornar à atmosfera como evaporação ou evapotranspiração, ou

  • Percolar através do perfil do solo e eventualmente infiltrar-se para a rede de drenagem na forma de escoamento subsuperficial ou de água subterrânea. A fração do escoamento a qual segue o percurso do escoamento de água subterrânea é referido como escoamento de base.

Dessa forma, na média, uma gota de embebição tem cerca de cinquenta% de chance de se tornar escoamento de base. Enquanto as relacões escoamento de baseembebição para o Alto Paraguai ainda estão por ser estabelecidas, uma bacia sub úmida tal como a do Alto Paraguai possui um componente substancial de escoamento de base. Pode ser notado que a descarga mínima medida em Porto Murtinho é de 549 m3/s (Tabela 15). Esse bem conhecido efeito esponja do Pantanal no Alto Paraguai (Bucher et al, 1993) é parcialmente explicado pela conversão do escoamento superficial mais rápido em escoamento mais lento de subsuperfície.

Segue-se que a aceleração da concentração do escoamento de cheias e o aumento dos picos de cheia vão produzir um decréscimo no escoamento de base, o qual irá causar decréscimos nas profundidades mínimas, particular mente naqueles locais onde a ação de autodragagem é mínima ou não existente. Na falta de estudos mais detalhados, é difícil a verificação da extensão desse de créscimo, mas a tendência existe e deve ser reconhecida.

Mudanças no regime de escoamento de base (tanto perdas como ganhos), embora em bacias menores, têm sido documentadas nos Estados Unidos e em outros países (para uma análise recente, veja Ponce e Lindquist, 1990). Geralmente, um decréscimo na umidade ambiental (i.e., menos precipitação, menos vaporização e menos escoamento total) conduz a perdas no escoamento de base, enquanto um aumento na umidade ambiental (mais precipitação, mais vaporização e mais escoamento total), leva a ganhos no escoamento de base. É; demonstrado que a quantidade de escoamento de base é altamente correlacionada com o regime climático. Perdas de escoamento de base invariavelmente levam a mudanças climáticas na direção de maior aridez.

O tema de mudanças potenciais no escoamento de base é extremamente relevante, na medida em que a viabilidade (e capacidade de sustentação) do projeto Hidrovia é con siderado, desde que modificações extensivas no canal irão provocar aumento nas altas vazões (picos de cheia), o que por sua vez irá causar diminuição nas vazões de estiagem (as quais são, na maior parte, escoamento de base). Dessa forma, é de se esperar que as modificações no canal (retificação, dragagem e remoção de soleiras rochosas) irão desestabilizar o regime de escoamento de base do rio. Por sua vez, isso irá demandar futuras ações adicionais para continuar a manutenção do calado mínimo requerido, i.e., isso irá colocar em ação um círculo vicioso de intervenções no canal. Isso é um assunto extremamente sério, desde que tem o potencial de comprometer a existência do Pantanal.


4.1.3  Mudanças no Rendimento Hídrico

O Alto Paraguai tem uma vazão média de 1,565 m3/s. Esse valor foi estimado na confluência com o rio Apa, baseado em medições existentes em Porto Murtinho e Fecho dos Morros (Tabela 12). Baseado em estimativas de precipitação média anual espacial mente ponderadas, um coeficiente de escoamento superficial de Kr = 0.08 (a razão entre escoamento e precipitação) foi calculado (Seção 3.3.4). Como esse coeficiente será afetado pela execução do projeto da Hidrovia? Na ausência de análises hidrológicas detalhadas, a experiência com bacias vizinhas pode fornecer diretrizes úteis quanto aos possíveis impactos.

A relação entre o coeficiente de escoamento superficial Kr e a precipitação anual P é uma característica de cada bacia, com dKr /dP sendo sempre positivo, i.e., o coeficiente de escoamento superficial aumenta com a precipitação anual (Ponce e Shetty, 1995b). Essa função é parte da assinatura hidrológica da bacia, uma caracterização de seu rendimento hídrico anual ou resposta da bacia a um dado "input" de precipitação. Mudanças no regime de cheias e escoamento de base (aumentos nos picos de cheia e consequentes diminuições no escoamento de base) podem produzir mudanças no regime de vazões médias, e eventualmente levar a mudanças climáticas, i.e., mudanças em:

  • Quantidade de precipitação anual, padrões e distribuição espacial e temporal,

  • Quantidades de evaporação/evapotranspiração,

  • Composição de espécies da flora, uma função do conteúdo de umidade no solo e atmosfera, e

  • Natureza do escoamento (i.e., superfície versus subsuperfície) e quantidades.

Como exemplo, o rio Paraná em Corrientes, Argentina (Médio Paraná) (Fig. 1) tem visto seu coeficiente de escoamento superficial aumentar de Kr = 0.16 na década de 1962-71, para Kr = 0.22 em 1982-91, um aumento de mais de 35% em cerca de 20 anos (Ponce, 1994). Parte desse aumento pode ser atribuído a aumentos na precipitação anual (Anderson et al., 1993), enquanto outra parte pode ser devida a mudanças no uso do solo (Ponce, 1994).

Mudanças no uso e ocupação do solo que têm o efeito de aumentar o escoamento superficial têm ocorrido na bacia do Parana desde o fim dos anos 60, quando a terra foi convertida de plantações de café para a produção de soja e cana-de-açúcar. Somente no Leste do Paraguai, à montante de Confluência, a cobertura de florestas diminuiu de 55% em 1945 para cerca de 15% hoje (Anderson et al., 1993). Confirmando essa tendência, aumentos se melhantes no escoamento superficial médio anual (34% no período de 20 anos, entre 1971-90, usando os dados para o período de 40 anos 1931-70 como base) foram recentemente documentados na barragem de Itaipú, no Alto Paraná (N. Carvalho, comunicação pessoal, 1995). Dessa forma, conclui-se que as intervenções bacia/rio que tem o efeito de aumentar e/ou acelerar o escoamento de superfície produzem mudanças significativas na resposta hidrológica de longo termo de uma bacia. Tais mudanças podem eventualmente produzir mudanças climáticas no sentido de maior aridez (veja Seção 4.4.1).

Com base na recente experiência do Paraná, é esperado que o projeto Hidrovia irá, a curto prazo, aumentar o coeficiente de escoamento superficial médio anual acima de 0.08, reduzindo dessa forma o coeficiente de vaporização abaixo de 0.92. A redução em quantidade de evapotranspiração terá um impacto negativo na biota vegetal. Essa redução irá provocar decréscimos na evapotranspiração real, e através do deslocamento de espécies, seja por regressão ou invasão, provocar aumentos na evapotranspiração potencial, seguida por decréscimos na precipitação anual e umidade ambiental (i.e., a umidade presente no solo e no ar). A extensão e duração dessas mudanças climáticas potenciais ainda estão para serem investigados.

A resposta de um sistema fluvial é o resultado de complexas interações entre a hidrologia das sub bacias em terras altas (o suprimento de escoamento, ambos de água e sedimentos, para o sistema de drenagem) e a hidráulica do sistema de drenagem (as características do canal, i.e., largura, profundidade, declividade e rugosidade limite, ambas rugosidades de forma e granulosidade). No Alto Paraguai, a declividade do canal é con trolada pela geologia local, enquanto que as larguras e profundidades do canal foram ajustadas durante milênios para as descargas líquidas e de sedimentos predominantes, declividade do canal e rugosidade limite.

Para dar um exemplo, o trecho de Boca do Bracinho até 40 km à jusante de Porto Conceição, uma distância de 146 km ao longo do rio, tem uma largura de somente 120- 150 m (Tabela 1). Esse trecho incomumente estreito é devido a intervenção das vazões de extravazamento (de água e sedimentos). As vazões de extravazamento reduzem as descargas médias anuais, de 437 m3/s a montante, em Descalvados, para 341 m3/s em Porto Conceição, e para 144 m3/s mais além a jusante, em Bela Vista do Norte (Tabela 12). Frequentemente, esse trecho (desde Boca do Bracinho até 40 km à jusante de Porto Conceição) é temporariamente obstruído por ilhas flutuantes de biomassa as quais se originam em numerosas baías na vizinhança (Fig. A24). A sazonalidade dessas obstruções, as quais são referidas regionalmente como batume ou bacero, tem sido estudada por Silva e Esteves (1993).

Fig. A24  Vegetação flutuante (camalotes) no rio Alto Paraguai.

Alterar as dimensões do canal do rio (largura e/ou profundidade) através de dragagem irá disparar mudanças nas descargas líquidas e de sedimentos e um eventual ajuste para as novas condições. Pendente de estudos detalhados, uma avaliação de referência do impacto hidrológico pode ser realizada assumindo um canal natural retangular de 300 m de largura, 1.5 m de profundidade, aplicável à montante de Amolar, com área de escoamento:

Ainitial = (300 m) (1.5 m) = 450 m2 (4.5)

Um canal de navegação com 50 m de largura e 3 m de profundidade iria aumentar a área de escoamento para

Afinal = 450 m + (50 m) (1.5 m) = 525 m2 (4.6)

Assumindo, por simplicidade, uma declividade do canal e rugosidade limite constan tes, a razão área de fluxo

Afinal / Ainitial = 525 / 450 = 1.17 (4.7)

leva, através do uso da equação de Manning (Chow, 1959), a

Qfinal / Qinitial = (Afinal / Ainitial)5/3 = 1.3 (4.8)

i.e., para um incremento de 30% na descarga de água.

A profundidade mínima assumida de 1.5 m do canal tende a ser baixa na maioria dos casos onde o rio está ativamente movimentando seu leito (um fundo de canal arenoso), e alta em lugares onde há um número significante de afloramentos rochosos invadindo o canal. Dados batimétricos detalhados e análises ao longo do comprimento do Alto Paraguai, particularmente nas regiões de intervenções mais intensivas no canal (os passos propostos para dragagem ou demolição), serão requeridos para refinamento adicional dessa avaliação.


4.1.4  Mudanças no Regime de Secas

O regime de cheias do Alto Paraguai e do Pantanal adjacente é caracterizado por um pulso anual de cheia, com a crescente da onda de cheia durando até seis meses. Esse é certamente o caso de Amolar e Ladário, ambos estrategicamente localizados perto do centro do Pantanal (Fig. 2). A onda de cheia anual varia em magnitude e tempo de ocorrência do pico (veja Seção 4.1.1).

Os mais longos registros de vazão para o Alto Paraguai são de Ladário, onde medições de cota e descarga têm sido feitas deste o início do século. Os registros de Ladário mostram a presença de vários períodos de secas multianuais, i.e., períodos de vazões incomumente baixas, cada um deles durando vários anos. O exame dos registros permite a identificação de três desses períodos de seca: 1909-16, 1936-44 e 1964-73 (Fig. 9). A escassez dos dados exclui uma definição mais precisa do intervalo de recorrência; todavia, os dados parecem sugerir que o Alto Paraguai e o Pantanal começam uma seca multianual aproximadamente a cada trinta anos em média. Seguindo esse raciocínio, o próximo período de seca já deveria ter ocorrido no Pantanal. A persistência, até essa data, do período úmido que começou em 1974 pode ser parcialmente atribuído às mudanças hidrológicas que podem já estar tomando lugar na bacia do Alto Paraguai, devido a mudanças no uso do solo (Silva, 1990). A esse respeito, Silva et al. (1995) recentemente documentaram uma taxa exponencial de desmatamento no Pantanal. Estudos adicionais são urgentemente necessários nessa área.

Fig. 9  O rio Alto Paraguai em Ladário:  Estágios sazonais máximos e mínimos gravados .

Como será afetado o regime de secas no Pantanal se as cheias no Alto Paraguai forem exacerbadas pela Hidrovia projetada? Na falta de dados adicionais e de uma análise mais detalhada, isso permanece uma questão em aberto. Todavia, é instrutivo comparar a experiencia do Pantanal com as de outras bacias do Brasil, através do espectro climático. Uma região semiárida como o Nordeste brasileiro, por exemplo, está sujeita a períodos de secas multianuais as quais recorrem uma vez a cada onze anos em média (Guerra, 1981; Ponce, 1995). Além disso, as cheias intervenientes são frequentemente desastrosas em termos de perdas de vidas e propriedades. Por outro lado, uma região tropical úmida tal como a bacia do rio Amazonas é visitada anualmente por um pulso de cheia de magnitude e regularidade previsíveis, enquanto é pouco afetada por secas no rio (Richey et al., 1989). Dessa forma, a sequência de secas e cheias é demonstrada como uma característica do regime climático, onde cheias predominam sobre se cas em regiões sub úmidas e úmidas, enquanto o inverso é verdadeiro para regiões semiáridas e áridas.

É uma hipótese que aumentos na magnitude das cheias, a serem esperados como resultado do projeto Hidrovia, irão mudar o regime multianual de secas de tal maneira que as secas serão mais intensas e recorrerão com maior frequência. Se essa mudança climática tomar lugar, o projeto Hidrovia se mostrará insustentável a longo prazo. A acumulação de intervenções estruturais no rio (retificação de canal, dragagem e remoção de soleiras rochosas) irá promover a intensificação de cheias e secas, aumentar a diferença entre cotas máximas e mínimas sazonais (Fig. 10), e diminuir as profundidades úteis durante a cada vez mais pronunciada estação de estiagem.

Fig. 10  O rio Alto Paraguai em Ladário:  Diferença da fase sazonal máxima vs fase do pico da cheia.

Concluindo, a aceleração da concentração do escoamento superficial causada por melhorias para a navegação irá intensificar as cheias médias al tas, extraordinárias e excepcionais, potencialmente reduzir o intervalo de recorrência de períodos de seca, e poderá, eventualmente, conduzir a mudanças climáticas na direção de maior aridez (menor precipitação, menor evaporação e evapotranspiração, e menores quantidades de escoamento superficial).


4.2  Impactos nos Sedimentos

Os impactos nos sedimentos causados pelo projeto Hidrovia no Alto Paraguai e no Pantanal Matogrossense podem ser considerados em duas categorias:

  1. Mudanças na descarga de sedimentos devido a mudanças no regime de cheias

  2. Mudanças na descarga de sedimentos devido a mudanças climáticas de longo termo.

É geralmente reconhecido que a bacia do Alto Paraguai funciona até agora como uma extensa superfície de acumulação de sedimentos. Os sedimentos que entram na bacia por meio dos tributários (Cuiabá, Taquari e Miranda, para nomear os mais importantes) são distribuídos por extravasamentos de canal nos cones aluvionais coalescentes, e/ou capturados nos numerosos banhados e drenagens endorréicas do Pantanal.

As planícies altamente dissecadas (planaltos) de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul têm, através dos milênios, contribuído com um farto suprimento de sedimentos para o vizinho e mais rebaixado Pantanal (Fig. A25). A propósito, o rio Taquari carrega uma carga de sedimentos considerável, a qual, às vêzes, pode ser tão alta quanto 2500 ppm em Coxim (Fig. 3). Essa alta carga de sedimentos é responsável pelas grandes dimensões de seu cone aluvional, o qual cobre, começando no seu ápice perto de Porto Rolon, extensas áreas do Pantanal. De fato, o rio Taquari, o qual era navegável por pequenas embarcações de sua embocadura para montante, até Coxim, não é mais navegável, presumivelmente devido a pressões antrópicas na alta bacia (mudanças no uso do solo, de flor esta para agricultura intensiva), as quais tiveram o efeito de acelerar a erosão das terras altas (Alho et al., 1988).

Fig. A25  Erosão das margens do rio Apa.

Medições mensais de descargas de sedimentos (integradas na profundidade) ao longo do Alto Paraguai e seus principais tributários foram efetuadas para o DNOS pela Hidrologia S.A. para um período de cinco anos, abrangendo o fim dos anos 70 e início dos 80. Um sumário dessas medições é mostrado na Tabela 18. Significativamente, a concentração média de sedimentos medida em Porto Esperança, à jusante dos principais tributários do Alto Paraguai, é de somente 176 ppm. Esse valor deve ser comparado com as concentrações médias de sedimentos medidas, ao entrarem no Pantanal através dos tributários: 235 ppm para o Cuiabá, 362 ppm para o Piquiri, 845 ppm para o Taquari, 620 ppm para o Aquidauana, e 626 ppm para o Miranda. Dessa forma, é visto que uma grande percentagem dos sedimentos dos tributários permanecem na bacia do Alto Paraguai. Baseado nesses dados limitados mas significativos, conclui-se que o Pantanal é ainda uma superfície de acumulação de sedimentos.

A fraca correlação entre descargas de sedimentos e descargas de água (veja Tabelas 16 e 17) não é motivo suficiente para desqualificar os dados de sedimentos. Os dados apresentados nessas tabelas são a carga total de sedimentos, a qual inclui a carga de sedimentos finos (wash load), uma função do suprimento de montante (grau de distúrbios naturais e antrópicos nas partes altas da bacia), e não da hidráulica de fluxo (profundidade e velocidade). Na ausência de transbordamentos de canal, uma vez que a carga de material fino chega no canal, sua tendência é de permanecer ali para ser eventual mente exportada do(s) ecossistema(s) terrestre(s). Além disso, o registro mensal de dados de sedimentos carrega, implicitamente, a histerese na avaliação do sedimento, i.e., a tendência da vazão de transportar mais carga de material de leito durante o estágio de crescimento do que durante o estágio de recessão (Leopold et al., 1964). Assim, dados mensais de sedimentos são somente uma indicação aproximada do balanço de sedimentos em uma bacia.


4.2.1  Mudanças na Descarga de Sedimentos devido a Mudanças no Regime de Cheias

Em geral, mudanças no regime de cheias produzem mudanças na descarga de sedimentos. Esse é um princípio de hidrologia bem conhecido, tendo sido amplamente documentado por muitas décadas (U.S. Department of Agriculture, 1940). Todavia, devido a interações não lineares entre cota e velocidade média, a natureza dessa relação não é prontamente aparente no Alto Paraguai. Durante cheias comuns e médias baixas, um aumento das cotas pode reduzir a velocidade média e atrasar a ocorrência do pico da cheia para fins de Junho, Julho ou início de Agosto, reduzindo o transporte e a exportação de sedimentos da bacia. Por outro lado, durante cheias médias altas, extraordinárias e excepcionais, aumentos nas cotas irão aumentar a velocidade média e acelerar a ocorrência do pico da cheia para início de Junho, Maio, Abril, ou fins de Março, aumentando o transporte e exportação de sedimentos da bacia (Seção 4.1.1).

Além das complexidades do transporte de sedimentos no Alto Paraguai, aumentos na velocidade média invariavelmente levam a aumentos na capacidade de transporte de sedimentos. A relação entre descarga (Qs) de sedimentos (material de leito) e velocidade média (v) é altamente não linear, com o expoente da velocidade média variando na faixa de 3-7 (Colby, 1964). Dessa forma, um acréscimo de 5% na velocidade média (Seção 4.1.1) corresponde a um aumento de 15-40% na descarga de sedimentos, como se segue:

Qs-final / Qs-initial = (vfinal / vinitial)3 = (1.05)3 = 1.15 (4.9)

Qs-final / Qs-initial = (vfinal / vinitial)7 = (1.05)7 = 1.40 (4.10)

Isso indica que aumentos no escoamento superficial e nas velocidades de fluxo vão conduzir a aumentos proporcionalmente maiores nas cargas de sedimentos e, consequentemente, na exportação de sedimentos da bacia. Para dar um exemplo, as crescentes cargas de sedimentos alcançando o Baixo Paraná nas últimas duas décadas (H. Benito, comunicação pessoal, 1995) parecem ser o resultado do crescente rendimento hídrico no Alto Paraná (Anderson et al., 1993; Ponce, 1994).


4.2.2  Mudanças na Produção de Sedimentos devido a Mudanças Climáticas de Longo Termo

A longo prazo, mudanças climáticas no sentido de maior aridez (de sub úmido seco para semiárido no caso do Pantanal) irão causar aumentos na produção de sedimentos, i.e., a descarga de sedimentos em um local de avaliação, integrada ao longo de todo o ano. É amplamente reconhecido que a produção de sedimentos de uma bacia de dre nagem tem seu pico com uma precipitação anual de P = 12 in. (304.8 mm) (Langbein e Schumm, 1958); ou, alternativamente, com um escoamento superficial anual de Q = 2 in (50. 8 mm) (Dendy e Bolton, 1976).

Um clima árido (50 < P < 250 mm) apresenta menor precipitação e escoamento superficial, e consequentemente, uma menor capacidade de captar e transportar sedimentos. Um clima semiárido (250 < P < 500 mm) encompassa o pico de produção de sedi mentos. Os climas sub úmido (500 < P < 1000 mm), úmido (1000 < P < 2000 mm), e extremamente úmido (P > 2000 mm) apresentam maior precipitação e escoamento su perficial, mas nesses casos, a erosão é controlada pela cada vez mais abundante vegetacão (Bull, 1991).

O método de Dendy e Bolton é usado nos Estados Unidos para calcular a produção de sedimentos de bacias sem postos de medição (Dendy e Bolton, 1976). O método especifica um límite de escoamento superficial Ql = 2 in (50. 8 mm), abaixo do qual a produção de sedimentos é diretamente relacionada ao escoamento superficial anual Q (por uma função de potência), e acima da qual a produção de sedimentos é inversamente relacionada com Q (por uma função de decaimento exponencial). Dessa forma, a produção de sedimentos aumenta à medida que o valor do escoamento superficial anual se aproxima do limite Ql de qualquer lado, i.e., aumentando para Ql, ou decrescendo para Ql.

A função de potência é:

S = 1280 Q 0.46 (1.43 - 0.26 log A) (4.11)

aplicável para Q < Ql.

A função de decaimento exponencial é:

S = 1965 e-0.055 Q (1.43 - 0.26 log A) (4.12)

aplicável para Q > Ql. Nessas equações, S = produção de sedimentos (toneladas/milha2/ano), Q = escoamento superficial líquido (polegadas), and A = área de drenagem (milhas²).

Essas formulas foram desenvolvidas para bacias pequenas e de médio porte nos Esta dos Unidos, e sua aplicabilidade para a bacia do Alto Paraguai resta ser estabelecida. De qualquer forma, o padrão de mudanças da produção de sedimentos com mudanças climaticas é geral e deve ser reconhecido através de fronteiras geográficas.

Em conclusão, mudanças climáticas de longo prazo no sentido de maior aridez vão causar um aumento na produção de sedimentos na bacia do Alto Paraguai. Normalmente, mudanças climáticas são lentas e não estão prontamente disponíveis para avaliação usando modelagem matemática convencional. Todavia, se uma mudança climática ocorrer, ela irá contrabalançar os ganhos de profundidade da lâmina d'água implementados pelo projeto Hidrovia. Esse é um impacto significante, o qual poderá afetar a sustentabilidade do projeto a longo prazo.


4.3  Impactos no Regime de Cheias do Médio Paraná

Há alguma preocupação de que mudanças no regime de cheias do Alto Paraguai poderão aumentar a magnitude das cheias a jusante, no Médio Paraná (Bucher et al., 1993). O Pantanal retarda picos de escoamento superficial do Alto Paraguai por três meses ou mais, de tal forma que eles estão fora de fase com picos de escoamento superficial do Alto Paraná chegando em Corrientes (Fig. 1). Complicando essa situação, picos de cheia e volumes de escoamento superficial anual já estão em ascensão no Alto Paraná. Essse aumento marcante (34% nos últimos 20 anos) tem sido atribuído a aumentos na precipitação e mudanças no uso do solo no Alto Paraná e Médio/Baixo Paraguai, e não necessariamente a mudanças no Alto Paraguai (Anderson et al., 1993; Ponce, 1994).

A bacia do Paraná-Paraguai faz parte do sistema da bacia do Prata, e é a mais importante em termos de descarga (75%) e área de drenagem (84%) (Seção 2.1). O sistema da bacia do Prata se situa no âmbito de duas largas zonas climáticas (OEA, 1969): (1) zona tropical (V), e (2) zona subtropical temperada/quente (IV), com as seguintes sub zonas (Fig. 11):

  • V1: Clima tropical úmido, com uma estação chuvosa durando 9 1/2 a 12 meses.

  • V2: Clima tropical médio, com uma estação chuvosa de verão durando 7 a 9 1/2 meses.

  • V3: Clima tropical seco, com uma estação chuvosa durando 4 1/2 a 7 meses.

  • IV3: Clima de estepe, com estação de inverno seca e uma curta estação chuvosa de verão, durando 5 meses.

  • IV4: Clima chuvoso, com estação de inverno seca e uma longa estação de verão chuvoso, durando de 6 a 9 meses.

  • IV6: Clima permanentemente úmido, sem uma estação seca ou chuvosa claramente definida.

  • IV7: Clima permanentemente úmido, com uma estação de verão chuvosa, claramente definida


Fig. 11  Zonas climáticas do sistema da bacia La Plata (OEA, 1969).

A Fig. 11 mostra o seguinte: (1) A maior parte da bacia do Alto Paraguai se encontra dentro da sub zona tropical V2 (Brasil, no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul); (2) a maior parte das bacias do Médio e Baixo Paraguai se encontra dentro das sub zonas tropicais V1 (Paraguai, Leste do rio Paraguai) e V3 (Paraguai, Argentina e Bolívia, Oeste do rio Paraguai); e (3) a maior parte da bacia do Alto Paraná (Brasil) se encontra dentro da sub zona tropical V1.

Assim, os regimes de precipitação do Alto Paraguai, Médio/Baixo Paraguai, e Alto Paraná são bem diferentes. A precipitação no Alto Paraguai é concentrada nos meses de verão. De acordo com os estudos do EDIBAP, o período de três meses mais úmidos é Dezembro-Fevereiro, representando 48% da precipitação total no Norte da bacia (Cáceres), gradualmente decrescendo para 36% no Sul da bacia (Porto Murtinho) (Seção 3.3.2) (EDIBAP, 1979). Por outro lado, a precipitação nas bacias do Médio/Baixo Paraguai (Leste do Paraguai) e Alto Paraná é mais uniformemente distribuída ao longo do ano.

A Tabela 22 e Figura 12 mostram as distribuições mensais de picos de cheias anuais medidos em estações chaves ao longo dos rios Paraguai e Paraná. Três estações são listadas no Alto Paraguai: (1) Cáceres, na entrada do Pantanal; (2) Ladário, próximo a Corumbá, à jusante do Pantanal de Paiaguás e do Pantanal de Cuiabá-Bento Gomes- Paraguaizinho (Fig. 4); e (3) Porto Murtinho, próximo a desembocadura do Alto Paraguai. Uma estação é listada no Medio Paraguai (Assunção, Paraguai), outra no Alto Paraná (Posadas, Argentina), e uma outra no Médio Paraná (Corrientes, Argentina). A falta de conjuntos de dados de duração comparável (a duração dos registros varia de 20 anos em Cáceres a 96 anos em Ladário) impõe uma limitação na análise, a qual não é prontamente resolvida, desde que esses são os únicos dados disponíveis.

Tabela 22.   Distribuição mensal de picos de cheias anuais medidos em estações chave
ao longo dos rios Paraguai e Paraná.1

Rio/Estação (localização) No.
de
anos
Distribuição mensal (percentual)
Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago
Alto Paraguai/
Cáceres (Km 3442)2
20 0 0 0 0 5 40 504 5 0 0 0 0
Alto Paraguai/
Ladário (Km 2755)2
96 0 0 0 0 0 0 2 11 24 41 21 1
Alto Paraguai/
Porto Murtinho (Km 2235)2
46 2 4 0 2 2 0 4 7 22 20 20 17
Alto Paraguai/
Assunção (Km 1630)2
87 2 5 3 6 13 7 2 5 17 29 10 1
Alto Paraguai/
Posadas (Km 378)3
92 2 5 6 9 18 19 18 6 5 10 2 0
Médio Paraná/
Corrientes (Km 1208)2
92 1 3 1 12 8 23 25 9 3 11 4 0
1Fonte:  Anderson et. al. (1993) e DNAEE/CPRM (dados não publicados). 2 Km de Hidrovía, com início em Buenos Aires.
3 Distância medida a partir de Corrientes. 4 Valores em negrito indicam a moda (o maior valor) da distribuição.

Fig. 12  Evolução mensal dos picos de cheias anuais em pontos-chave
ao longo dos rios Paraguai e Paraná.

As distâncias ao longo da Hidrovia são: Corrientes, km 1208; Assunção, km 1630; Porto Murtinho, km 2235; Ladário, km 2755; e Cáceres, km 3442. Além disso, Posadas (Fig. 1) está localizada 378 km à montante de Corrientes, no Alto Paraná.

A Tabela 22 mostra que 50% dos picos de cheia anuais medidos em Cáceres ocorreram em Março (90% no período Fevereiro-Março), enquanto 41 por cento daqueles em Ladário ocorreram em Junho (86% no período Maio-Julho). Isso mostra que o pico de cheia leva cerca de 105 dias em média (fins de Fevereiro a meados de Junho) para se deslocar de Cáceres a Ladário, uma distância de 687 km, a uma velocidade de (687 km X 1000 m/km X 100 cm/m) / (105 dias X 86400 s/dia) = 7.5 cm/s.

O cálculo da velocidade da onda de cheia de Ladário a Porto Murtinho é complicado pelo efeito das contribuições locais. A propósito, a moda da distribuição em Porto Murtinho ocorre em Maio, mas a distribuição é fortemente representada durante quatro meses (Maio a Agosto), enquanto que aquela de Ladário ocorre predominantemente em Junho. Além disso, enquanto 23% das cheias anuais em Porto Murtinho tiveram seu pico tarde na estação (Agosto a Outubro), somente 1% daquelas em Ladário tiveram seu pico tarde (Agosto) (veja Tabela 13). Dessa forma, o retardo do pico de cheia de Ladário a Porto Murtinho não é claramente discernível nos registros, embora haja razão suficiente para acreditar que possa ser de dois meses ou mais (Carvalho, 1986) (Fig. A26).

Fig. A26  Cheia no rio Alto Paraguai nas vizinhanças de Porto Murtinho, Mato Grosso do Sul.

A Fig. 12 mostra que o pico de cheia anual em Assunção, no Médio Paraguai, pode ocorrer a qualquer momento durante o ano, sem um período seco claramente de finido. Por outro lado, um período seco claramente definido foi o caso de Cáceres (Maio-Dezembro) e Ladário (Setembro-Fevereiro). A mais alta frequência de cheias anuais em Assunção é em Junho (29%), seguida por Maio (17%) e Janeiro (13%). Desde que o Alto Paraguai não contribui para os picos de cheia de Janeiro em Assunção, esses precisam ter como origem as contribuições locais do Médio Paraguai, incluindo aquela do rio Apa.

Os hidrogramas medidos em Ladário e Assunção são bem diferentes. Aqueles em Ladário são unimodais, mostrando um pico de cheia anual (em torno do meio do ano) e pequena variabilidade nas vazões de estiagem (em torno do final do ano). Aqueles em Assunção são multimodais, mostrando vários picos e vales na hidrógrafa ao longo do ano, um pico de cheia anual sendo possível em qualquer período do ano (PORTOBRÁS, 1983). Um exame cuidadoso dos registros hidrográficos mostra que pelo menos algumas onda de cheia extraordinárias e certamente todas as excepcionais em Ladário são tambem sentidas como tal em Assunção. Por exemplo, a cheia de 1980 teve seu pico em Ladário a 18 de Abril, em Porto Murtinho em 1 de Julho, e em Assunção em 10 de Julho (PORTOBRÁS, 1983).

Dessa forma, é de se esperar que picos de cheias extraordinárias e excepcionais em Porto Murtinho, no Alto Paraguai, serão sentidas em Assunção, no Médio Paraguai (605 km à jusante de Porto Murtinho), e em Corrientes, no Médio Paraná (422 km à jusante de Assunção).

A Tabela 22 e a Figura 12 mostram que o pico de cheia anual em Posadas, no Alto Paraná, pode ocorrer através do ano, sem um período seco claramente definido. Toda via, diferente de Assunção, o qual apresenta uma moda de 29% em Junho, a moda em Posadas é em Fevereiro, e somente de 19%. Dessa forma, o escoamento superficial do Alto Paraná alcança Posadas tipicamente de meados a fins do verão (Janeiro-Março). O escoamento superficial do Alto Paraná e o do Paraguai se juntam em Confluência, e é medido em Corrientes (Argentina), 32 km a jusante. Em Corrientes, a mais alta frequência de cheias anuais se verifica em Março (25%), seguida por Fevereiro (23%), Dezembro (12%), e Junho (11%). Dessa forma, um pico de cheia em Corrientes pode ter origem em uma de três fontes:

  1. Escoamento superficial de contribuições locais, com ápice em Dezembro.

  2. Escoamento superficial do Alto Paraná, com ápice em Fevereiro ou Março.

  3. Escoamento superficial da bacia do Paraguai, com ápice em Junho ou Julho.

O último inclui algumas cheias extraordinárias e todas as excepcionais na bacia do Alto Paraguai, as quais são atenuadas pelo Pantanal em uma onda de cheia unimodal.

A análise precedente conduz às seguintes conclusões:

  • O Pantanal retarda por mais de três meses, usualmente até Junho e Julho, o pico de cheia do Alto Paraguai em Porto Murtinho.

  • Os picos de cheias do Alto Paraguai em Porto Murtinho e do Médio Paraguai em Assunção não parecem ser relacionados (são independentes) para cheias médias e comuns, e parecem ser relacionados (são dependentes) para algumas cheias extraordinárias e todas as excepcionais.

  • Os picos de cheia no Alto Paraná em Posadas ocorre ao longo do ano, com uma tendência para Janeiro-Março.

  • Os picos de cheia no Médio Paraná em Corrientes ocorrem ao longo do ano, com uma tendência para Fevereiro-Março.


O projeto Hidrovia vai acelerar a concentração do escoamento das cheias no Alto Paraguai durante as cheias médias altas, extraordinárias e excepcionais. Isso irá conduzir a picos de cheia mais altos e prematuros em Ladário, ocorrendo tipicamente em Maio ou Abril, ao invés de Junho ou Julho. A extensão para a qual um aumento do pico de cheia em Ladário (e, consequentemente, em Porto Murtinho) irá conduzir a um aumento do pico de cheia em Corrientes permanece a ser determinada. Modelagem matemática (propagação da onda de cheia) será necessária para determinar a natureza precisa desse aumento.

Na ausência de uma modelagem detalhada, as presentes conclusões referentes a efeitos à jusante do projeto Hidrovia devem ser consideradas como preliminares:

  • Intervenções significantes no Alto Paraguai, com o potencial de comprometer a existência do Pantanal, irão aumentar e acelerar picos de cheia extraordinárias e excepcionais em Ladário e Porto Murtinho, e contribuir para um substancial aumento no pico de cheia de verão em Corrientes (Fevereiro ou Março).

  • Intervenções menos significantes ou limitadas no Alto Paraguai irão au mentar e acelerar picos de cheia extraordinários e excepcionais em Ladário e Porto Murtinho, e contribuir para um aumento no pico de cheia de verão em Corrientes. A precisa extensão desse aumento permanece para ser determinada por análises complementares.


4.4  Outros Impactos Ambientais Associados

Outros impactos ambientais associados com o projeto Hidrovia incluem o seguinte:

  • Impacto no albedo médio da bacia do Alto Paraguai,

  • Impacto no balanço de nutrientes,

  • Impacto na biota.


Mudanças no regime hidrológico (magnitude e frequência de cheias e secas, e mudanças no rendimento hídrico) do Alto Paraguai causarão um impacto no balanço térmico da baixa atmosfera, através de mudanças no albedo médio. Mudanças no balanço de sedimentos irão impactar o balanço de nutrientes o qual, por sua vez, irá afetar a biota vegetal (espécies, composição e diversidade) e modificar, através de deslocamento, populações animais (pássaros, répteis e mamíferos) e habitats (Seção 3.4.2). O impacto dessas mudanças é amplo e de longo prazo, merecendo um estudo minucioso antes da implementação do projeto.


4.4.1  Impacto no Albedo Médio da Bacia do Alto Paraguai

Mudanças no regime de vazões médias do Alto Paraguai irão resultar, a longo prazo, em um aumento do albedo médio da bacia do Alto Paraguai (albedo é o coeficiente de reflectividade de uma superfície, i.e., a razão do fluxo de radiação de onda curta total refletido e do fluxo solar radiante total, Fig. A27). O aumento do albedo irá causar mudanças no balanço térmico da baixa atmosfera, e eventualmente, conduzirá a mudanças climáticas no sentido de maior aridez (Charney, 1975). Dessa forma, a precipitação média anual e o escoamento superficial médio anual serão eventualmente reduzidos, resultando na redução das profundidades de lâmina d'água no Alto Paraguai, e no encolhimento do Pantanal. Atualmente, a precipitaçao média anual na bacia do Alto Paraguai é Pa = 1,280 mm, e o coeficiente de escoamento médio anual é Kr = 0.08 (Seção 3.3.4). Dessa forma, o escoamento superficial médio anual é:

Ra = Kr Pa = (0.08) (1,280 mm) = 102.4 mm (4.13)

Fig. A27  Variação do albedo com cor e textura da superfície da Terra.

O cenário no qual aumentos no albedo e mudanças climáticas associadas podem tomar lugar é o seguinte:

  1. Acréscimos no coeficiente de escoamento superficial médio anual (i.e., produção de água) irá causar decréscimos no armazenamento superficial de água (lagos e baías) e armazenamento subsuperficial de água (umidade do solo), conduzindo a de créscimos no coeficiente de vaporização (a razão entre evaporação e precipitação).

  2. Decréscimos no coeficiente de vaporização irão reduzir a evapotranspiração real, eventualmente provocando mudanças na composição de espécies vegetais, i.e., para a progressiva reposição de higrófitas por mesófitas em terras baixas (em áreas riparianas adjacentes), e mesófitas por xerófitas em terras mais altas (os interflúvios).

  3. Aumentos da vegetação xerófita irão decrescer a cobertura e densidade vegetal, aumentando o tamanho e ocorrência de terrenos descobertos.

  4. O aumento do tamanho e da ocorrência de terrenos descobertos irão aumentar o albedo médio, refletindo mais energia radiante para a atmosfera e reduzindo a energia disponível para processos produtivos (fotossíntese e evapotranspiração).

A relação entre albedo de superfície e clima é bem conhecida na literatura de climatologia e meteorologia. Um bioma extremamente produtivo tal como a floresta tropical Amazônica tem albedos na faixa de 0.14-0.21 (Gutman, 1994), enquanto que um de serto hiperárido tal como o Sahara tem um albedo de 0.5 (Courel et al., 1984). Enquanto o albedo de superfícies de água é de 0.03-0.10, aquele das dunas de areia é de 0.3-0.6 (Sumner, 1988).

Charney et al. (1975) concluíram que um decréscimo na cobertura vegetal é usualmente acompanhado por um aumento no albedo. Isso leva a um decréscimo na radiação absorvida e um aumento no resfriamento radiativo do ar. Dessa forma, massas de ar iriam permanecer próximas ao solo para manter equilibrio térmico, e a convecção de cúmulos e precipitação associada seria suprimida. A precipitação reduzida iria por sua vez ter um efeito adverso nas plantas e tenderia a aumentar o decréscimo original da cobertura vegetal (Charney et al., 1977).

Para regiões áridas e semiáridas, Sud e Molod (1988) confirmaram que o efeito geral de alto albedo de superfície é o resfriamento no âmbito da camada limite planetária (planetary boundary layer, ou PBL). Isso induz abaixamento da camada de ar e diver gência de umidade próxima à superfície, os quais suprimem a convecção de umidade e a precipitação. Assim, numa região limite de deserto, tal como no limite entre sub úmido e semiárido, se espera que um aumento no albedo de superfície irá reduzir localmente a precipitação convectiva.

Garratt (1993) recentemente sumarizou a resposta de simulações de clima global a mudanças no albedo. Os resultados de onze estudos mostraram que um aumento no albedo causa:

  1. Decréscimo na evaporação do solo,

  2. Decréscimo na precipitação em terra, e

  3. Aumento na precipitação nos mares (no caso de mudanças globais).

Esses e outros estudos têm mostrado conclusivamente que aumentos no albedo causam mudanças climáticas no sentido de maior aridez, resultando em decréscimo de precipitação, decréscimo de escoamento superficial, e acréscimo na producão de sedimentos (esse último como no Pantanal, onde a mudança climática seria de sub úmido seco para semiárido).

As mudanças no regime de escoamento superficial no Alto Paraguai, atribuíveis ao projeto da Hidrovia, podem ser suscetíveis de conduzir a mudanças substanciais no albedo médio? A resposta a esta questão é afirmativa, embora a estrutura temporal para essas mudanças não seja prontamente discernível sem uma análise adicional. Se o projeto Hidrovia aumentar, a curto prazo, o coeficiente de escoamento superficial do Alto Paraguai, isso irá disparar uma série de reações em cadeia que incluem:

  • Redução na vaporização média anual,

  • Redução no escoamento de base,

  • Alterações na composição biótica de espécies de animais e plantas,

  • Aumento do albedo médio,

  • Aumento na produção de sedimentos,

  • Redução na precipitação média anual,

  • Redução no escoamento superficial médio anual,

  • Aumento na magnitude e frequência das secas e cheias, e eventualmente

  • Mudanças climáticas no sentido de maior aridez.


Mudanças climáticas são processos naturais normalmente mensuráveis em uma escala temporal geológica. A bacia do Alto Paraguai tem sido objeto de várias mudanças climáticas, e.g., de semiárido no Jurássico para úmido no Cretáceo (Seção 3.2). A grande profundidade dos depósitos Quaternários (420 m em Fazenda São Bento, no cone aluvional do Taquari), somente pode ser explicada por um ativo processo geodinâmico associado com um clima semiárido predominante no passado geológico.

O ponto crucial a ser considerado não é a mudança climática, a qual sempre se faz presente, mas, ao invés, a taxa da mudança climática. Hoje é largamente reconhecido que mudanças climáticas resultantes de ações antrópicas são possíveis, e que as mesmas podem ocorrer ao longo de décadas, ao invés de milênios.


4.4.2  Impacto no Balanço de Nutrientes

A relação direta entre balanços hidrológicos e de nutrientes já é conhecida por algum tempo. A propósito, Likens e Bormann (1975) estudaram a floresta experimental Hubbard Brook em New Hampshire, E.U.A. O desmatamento aumentou o escoamento su perficial e resultou em grandes aumentos na concentração em cursos d'água para todos os ions importantes (Ca++, K+, NO3-), exceto uns poucos (NH4+ e SO42-). A perda total anual de fósforo foi de cerca de uma ordem de magnitude maior como resultado do desmatamento. A exportação total de substâncias dissolvidas, excluindo matéria orgânica dissolvida, apresentou uma média de 81 ton/ha-ano para a bacia desmatada, comparada a 13 ton/ha-ano para uma bacia preservada, usada como controle. A concentração de nitratos na água de escoamento superficial quase continuamente excedeu, e em alguns casos quase dobrou, a concentração máxima recomendada para consumo humano.

Likens e Bormann (1975) preveniram que a menos que tais interrelações sejam melhor compreendidas, intervenções humanas em ecossistemas naturais podem produzir resultados inesperados e potencialmente danosos. Em um estudo semelhante, Elwood e Henderson (1975) enfatizaram a necessidade para estudos básicos de balanços hidrológicos e de nutrientes previamente a implantação de projetos ou decisões de gerenciamento de uso do solo.

Um exemplo da relação entre ciclos hidrológicos e de nutrientes no Pantanal é dado por Silva (1990), que notou que as concentrações de cálcio, potássio e magnésio nos cursos d'água no Pantanal de Barão de Melgaço, perto de Cuiabá, são maiores durante as cheias do que durante as estiagens.

O Pantanal existe porque seu cenário geológico/geomorfológico o condiciona a reter água, umidade do solo, sedimentos e nutrientes (Tricart, 1982; Junk et al., 1989). Os padrões de inundação extensos e de grande duração e a umidade do solo retida diminuem o albedo médio, favorecendo a precipitação gerada localmente (Stidd, 1975; Balek, 1983). A umidade do solo tipica mente diminui albedos médios por um fator de dois (Dickinson, 1983). Os sedimentos e nutrientes associados importados das sub bacias de terras altas tendem a permanecer no Pantanal, assegurando uma fonte constante para reposição (Carvalho, 1984; Silva, 1990). A água retida sustenta as necessidades de evapotranspiração da vegetação, os sedimentos continuam a acumular no vale, e os nutrientes são em grande parte filtrados e retidos pela vegetação.

Um traço característico dos ecossistemas do Pantanal é o pulso sazonal de cheia (Junk et al., 1989). Modificações no pulso sazonal de cheia causarão mudanças bióticas e abióticas no Pantanal (Sparks, 1995). Os ciclos de reprodução de vida silvestre são intimamente ligados ao ciclo anual de inundação e recessão (Bayley, 1995; Campos, 1993). Aumentos na magnitude das cheias vão resultar, a curto prazo, em um aumento na produção de sedimentos e em uma mudança no balanço de nutrientes da bacia. A perda de nutrientes para o escoamento superficial irá significar menor produtividade biótica e a eventual perda do caráter de florestas mistas de savana (savana parque) dos ecossistemas do Pantanal, onde ambas espécies animais, domesticados e selvagens, podem coexistir.

A mais importante atividade econômica do Pantanal é a criação de gado. Antunes (1986) estimou o número de cabeças de gado em 3.5 milhões. Por outro lado, Alho et al. (1988) declarou que as pastagens sazonais alimentaram até 8 milhões de animais. Por séculos, a criação de gado em baixa densidade tem sido a atividade econômica predominante. Prance e Schaller (1982) declararam que a vegetação natural do Pantanal pode ser mantida juntamente com as fazendas, desde que a população bovina seja mantida dentro de limites razoáveis, e que certas áreas sejam reservadas para a conservação das comunidades biológicas.

O impacto ambiental da criação de gado no Pantanal parece ter sido mínimo (Alho et al, 1988). O esgotamento das pastagens, um problema insidioso que assola bacias exorréicas sub úmidas e semiáridas em outras partes do mundo, não é um problema sério no Pantanal. O pulso de cheias serve ao duplo propósito de efetivamente controlar o esgotamento das pastagens, impedindo temporariamente a pastagem nas áreas inundadas, enquanto reabastece o solo com nutrientes frescos fixados nos sedimentos finos (Silva, 1990). Mais importante ainda, o pulso de cheias é instrumental na manutenção dos campos, desde que os tipos de vegetação competitivas, particularmente as espécies lenhosas, não são bem adaptadas ao pulso de cheias (Cole, 1960).

Antunes (1986) mostrou que durante a seca de 1965-73, a criação de gado expandiu- se no Pantanal, desde que muitas áreas que eram previamente inundadas sazonalmente, permaneceram não inundadas por mais de uma estação. Começando em 1974, o período de cheias retornou com uma fôrça incomum. Isso levou ao esgotamento das pastagens nos campos remanescentes pelos rebanhos subitamente constrangidos em seu espaço. Para complicar o problema, os campos já estavam ameaçados pela invasão de espécies lenhosas as quais se aproveitaram do longo período de seca para se estabelecer nos campos secos. Exemplos similares de invasões por espécies lenhosas em áreas do Pantanal que tem sido artificialmente protegidas de inundação através do uso de diques tem sido reportadas (H. Benito, comunicação pessoal, 1995).

Os padrões de inundação do Pantanal foram recentemente quantificados por Hamilton et al. (1995) usando sensoreamento remoto. Durante anos de cheias excepcionais, até 100,000 km² (73%) do Pantanal são simultaneamente inundados pelo menos por 30 dias, controlando o esgotamento das pastagens através da inundação, en quanto o solo é reabastecido com nutrientes. Por outro lado, durante a estação de estiagem em anos secos, menos que 6,770 km² (5%) do Pantanal pode ser inundado, incentivando o excesso de pastagem e virtualmente eliminando a reposição de nutrientes por meios naturais.

Em conclusão, o pulso de cheias é o mecanismo que fornece a reposição de nutrientes, controle do esgotamento das pastagens, e manutenção dos campos, em torno da qual gira a produtividade biótica natural do Pantanal.


4.4.3  Impacto na Biota

Mudanças no regime hidrológico da bacia do Alto Paraguai terão um impacto defini tivo na biota. Atualmente, existe um delicado balanço entre os vários tipos de vegetação, refletindo a predominância de um clima tropical médio, com uma estação chuvosa de verão distinta, durando de 7 a 9 1/2 meses. Mudanças na assinatura hidrológica no sentido de maior aridez irão acentuar a competitividade da floresta arbustiva do semiárido (caatinga), em terras altas, e provocar reduções nas espécies de floresta de savana (cerrados), as quais atualmente dominam o Pantanal (Prance e Schaller, 1982).

A interação entre hidrologia e geomorfologia é a base de sustentação da estrutura biótica do Pantanal, sendo o pulso de cheias sendo a pedra angular do funcionamento de ecossistemas alagáveis (Junk et al., 1989). Diferentemente das espécies lenhosas, espécies herbáceas são bem adaptadas para o pulso de cheias, desde que elas são aptas a tolerar extremas alternações de saturação (inundação durando de 1 a 3 meses) e dissecação (estação seca durando de 2 1/2 a 5 meses) (Cole, 1960). Dessa forma, mudanças no regime hidrológico resultando na redução de períodos de cheias e aumento nos periodos de secas irão produzir alterações na composição de espécies vegetais, de herbáceas para lenhosas (Veloso, 1972). Isso irá mudar o caráter dos ecossistemas do Pantanal, de florestas de savana (com ilhas esparsamente distribuídas de cerradão) para florestas mais mésicas, refletindo uma predominância de vegetação lenhosa sobre a herbácea. Por sua vez, isso irá produzir uma mudança nas espécies animais e suas populações, quando aquelas espécies melhor adaptadas ao cerrado irão predominar sobre aquelas adaptadas aos campos. A consequente redução da área de campos terá um impacto na pecuária, a qual não será capaz de suportar tantas unidades animais como acontece atualmente. Além disso, o uso do fogo pelo homem para o controle da vegetação lenhosa tem a possibilidade de aumentar, impactando negativamente a qualidade do ar.

Dessa forma, a espiral de degradação ambiental começa com alterações na hidrologia (mudanças nos regimes de cheias, escoamento de base, rendimento hídrico, e secas), e eventualmente conduz a impactos na biota, vegetal e animal, incluindo a espécie humana.


4.5  Sumário da Seção

Esta Seção descreve os possíveis impactos hidrológicos do projeto Hidrovia no Pantanal Matogrossense. A avaliação considera impactos nas águas, sedimentos e balanço de nutrientes como uma consequência direta e indireta das melhorias propostas para a navegação, que incluem retificação de canal, dragagem e remoção de afloramentos rochosos. Segue-se um sumário dos pontos principais estabelecidos nesta Seção:

  • O Alto Paraguai à montante de Porto São Francisco (a 146 km à montante de Corumbá) é incapaz, sem extensos aprofundamentos artificiais do canal, de acomodar embarcações oceânicas (com um requerimento de 3 m de calado) ao longo de todo o ano. A extensão do proposto canal de navegação de 3 m até Cáceres irá requerer grandes intervenções no canal natural.

  • Atualmente, uma profundidade mínima de 1.2 m é mantida por autodragagem, exceto nos locais onde afloramentos rochosos não permitem que esse processo se verifique. O Pantanal existe basicamente devido a esses afloramentos rochosos, que agem como represas naturais, influenciando os padrões regionais de escoamento em pelo menos três lugares: Amolar, Porto da Manga e Fecho dos Morros.

  • Demolir soleiras rochosas como uma forma de aprofundar o canal navegável irá causar um impacto irreversível no regime hidrológico do Alto Paraguai, particularmente à montante de Corumbá. Na verdade, essa demolição corresponde à remoção de represas naturais, o que irá aumentar o escoamento superficial e acelerar a sua concentração, intensificando as cheias.

  • Mudanças relativamente pequenas no perfil, as quais necessariamente tomariam lugar como resultado da remoção de soleiras rochosas, podem afetar a hidráulica fluvial de montante, numa escala maior do que previa mente antecipado. A propósito, o efeito do remanso produzido por uma lombada de 0.47 m no perfil do leito em Amolar pode ser observado por uma distância de 375 km para montante.

  • Diferentemente de um rio tipicamente aluvional, o perfil longitudinal do Alto Paraguai é convexo quando observado de cima, revelando a presença de controles geológicos substanciais. Afloramentos rochosos a cada 40 km em média, ao longo do Alto Paraguai, foram documentados (Fig. A28).

  • É esperado que a remoção de soleiras rochosas cause o aparecimento de outras soleiras rochosas, as quais se encontravam previamente submersas. Isso irá abrir uma espiral de degradação ambiental, na forma de perda de água, sedimentos e nutrientes, e produzirá alterações ecológicas extremamente difíceis de controlar.

  • Modificações no canal (retificação, dragagem, e remoção de soleiras rochosas) irão desestabilizar o regime de escoamento de base do rio, e irão demandar ações futuras no mesmo para a manutenção do calado mínimo requerido para navegação, i.e., irão colocar em movimento um círculo vicioso de intervenções no canal.

  • O projeto Hidrovia irá, a curto prazo, aumentar o coeficiente de escoamento médio anual acima de seu valor atual (0.08), reduzindo a quantidade de evapotranspiração e afetando negativamente a biota vegetal.

  • A aceleração da concentração do escoamento superficial causada pelas melhorias para a navegação irão intensificar as cheias médias altas, extraordinárias e excepcionais, potencialmente reduzir o intervalo de recorrência de períodos de seca multianuais, e podem conduzir, a longo prazo, a mudanças climáticas no sentido de maior aridez.

  • Perdas de escoamento superficial irão aumentar grandemente as perdas de sedimentos e nutrientes, desestabilizando os ecossistemas do Pantanal pela modificação do balanço de nutrientes, resultando em uma produtividade biótica reduzida.

  • Mudanças de longo prazo no regime hidrológico do Alto Paraguai no sentido de maior aridez (menos precipitação, menos evaporação/evapotranspiração e menos escoamento superficial) causarão um impacto definitivo na biota. A competitividade da floresta arbustiva semiárida (caatinga) irá aumentar, afetando de forma adversa o delicado balanço entre as diversas comunidades de plantas que habitam o Pantanal.

  • Modificações no pulso das cheias, acopladas com modificações climáticas de longo prazo no sentido de maior aridez, irão produzir uma sucessão ecológica de espécies herbáceas para espécies lenhosas. O tamanho e número dos montes de terra com vegetação (capões) irão aumentar, com os campos sendo os grandes prejudicados. Ambas espécies animais, domésticas e selvagens, serão afetadas adversamente.

Fig. A28  Afloramento de rocha ao longo do rio Paraguai.


5.  SUMÁRIO
[Bibliografía]      [Arriba]   [Sumário Executivo]   [Introdução]   [Descrição Geográfica]   [Rio Alto Paraguai]   [Impacto Ambiental]  

Esta última Seção sumariza as conclusões deste estudo. Ela está dividida em três Subseções:

  1. O Pantanal Matogrossense;

  2. O Projeto Hidrovia;

  3. Os Impactos Hidrológicos e Ambientais.

Cada Subseção sumariza os principais pontos estabelecidos neste estudo. Detalhes adicionais podem ser encontrados nas respectivas seções deste relatório: o Pantanal Matogrossense, Subseção 2.3 e Seção 3; o Projeto Hidrovia, Subseção 2.4; e Impactos Hidrológicos e Ambientais, Seção 4. Uma Subseção intitulada "Conclusões Finais" termina esta Seção do relatório.


5.1  O Pantanal Matogrossense

Os seguintes pontos foram estabelecidos durante o curso deste estudo:

  • O Pantanal Matogrossense é uma depressão inundada sazonalmente, situada em sua totalidade na bacia do Alto Paraguai, compreendendo 136,700 km² de área nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no Centro Oeste Brasileiro. O Pantanal é um imenso e biologicamente diverso alagadiço, posicionado geomorfologicamente e hidrologicamente para atenuar e reduzir o escoamento superficial da bacia do Alto Paraguai.

  • As formacões predominantemente do Precambriano Superior situam-se sob extensos depósitos Quaternários, com significantes afloramentos rochosos. Evidencias geomorfológicas revelam a presença de uma quantidade substancial de atividade tectónica na forma de subsidência e subelevações (subsidence/uplift).

  • O leito do Alto Paraguai é controlado pela geologia prevalecente. O perfil longitudinal do rio é convexo quando observado de cima, revelando a presença de controles geológicos substanciais. Existem trinta e dois (32) afloramentos rochosos documentados ao longo de 1,270 km do rio, uma média de um a cada 40 km.

  • O coeficiente de escoamento superficial anormalmente baixo do Alto Paraguai em sua embocadura (um valor de 0.08) é um resultado direto de sua interação hidrológica com o Pantanal. Esse último funciona como um imenso reservátorio de superfície/subsuperfície o qual armazena água nos cenários de tempo anual e multianual.

  • O Alto Paraguai é muito eficiente em diminuir os picos de cheias e de forma correspondente, aumentar as vazões de estiagem. A presença do Pantanal fornece o mecanismo para a difusão das vazões de cheia e o aumento da permanência das vazões de estiagem.

  • Os registros hidrográficos em Ladário mostram a capacidade de atenuação extremamente forte do Pantanal à montante desse ponto. Ao longo de todo o período de registro (1900-95), a onda de cheia em Ladário tem sido sempre unimodal (somente uma ascenção e uma recessão por ano).

  • O Pantanal funciona não somente como um mecanismo atenuador para vazões de cheia, mas também como um mecanismo de abstração para todas as vazões, i.e., como um meio eficiente de armazenar a água que seria escoada superficialmente, e ao invés convertê-la em evaporação e evapotranspiração. Ao longo de milênios, esse processo tem sido responsável pela sustentação do extraordinário potencial biótico do Pantanal.

  • O Pantanal é ainda uma superfície de acumulação de sedimentos, com um ganho líquido anual de sedimentos e nutrientes.

  • O Pantanal é extremamente fértil em diversidade de flora e composição fisionômica. A diversidade de sua flora é devida a sua localização privilegiada, cercada por quatro grandes biomas sul americanos: a floresta tropical Amazônica, as savanas sub úmidas do Brasil Central, a floresta úmida Atlântica, e a floresta arbustiva semiárida do Chaco. Sua composição fisionômica diversa é devida a sua variedade de características geomorfológicas/topográficas.

  • O Pantanal mantêm-se como um repositório único para uma variedade de espécies silvestres, incluindo numerosas espécies de pássaros, peixes, répteis e mamíferos. Muitas espécies habitam seletivamente os campos, elevações de terreno com cobertura vegetal lenhosa (capões, cordilheiras), florestas de galeria, e cursos d'água (baías, corixos, vazantes) do Pantanal. Tal biodiversidade impressionante é devida, em grande proporção, aos cenários geológico, geomorfológico e hidrológico, únicos do Pantanal.


5.2  O Projeto Hidrovia

Os seguintes pontos foram estabelecidos durante o curso deste estudo:

  • O sistema Paraná-Paraguai tem sido utilizado como uma hidrovia para transporte por vários séculos. O sistema fluvial compreende o Alto, Médio e Baixo Paraguai, e o Médio e Baixo Paraná. Ele drena partes do Brasil, Paraguai, Bolívia e Argentina.

  • Projeto da Hidrovia Paraná-Paraguai, conhecido localmente como a Hidrovia, atualmente está sendo considerado para financiamento pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento.

  • A agência executiva para o projeto da Hidrovia é o Comite Intergubernamental de la Hidrovía (CIH), uma agência organizada pelo governo dos cinco países que têm jurisdição na hidrovia: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.

  • O projeto Hidrovia implica em melhoramentos para a navegação ao longo da hidrovia existente Paraná-Paraguai. O projeto considera extensas obras de engenharia fluvial, incluindo retificação de canal, dragagem, remoção de soleiras rochosas, e outras intervenções estruturais para tornar 3442 km do rio navegáveis por embarcações oceânicas, do ponto mais a jusante em Nueva Palmira, Uruguai, até o ponto mais a montante em Cáceres, Mato Grosso, próximo às cabeceiras do Alto Paraguai.

  • Desde que o porto de Cáceres está localizado à montante do Pantanal Matogrossense, espera-se que o projeto Hidrovia, se implementado com sua concepção atual, irá ameaçar o status proeminente do Pantanal como o maior alagadiço remanescente no continente Americano e no mundo.

  • Em Fevereiro de 1995, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) comissionaram estudos de engenharia e impacto ambiental do projeto Hidrovia. Esses estudos estão em andamento, com resultados esperados para fins de 1996.

  • Até esta data, o único documento compreensivo do projeto Hidrovia é o relatório da INTERNAVE, completado em 1990 pela companhia brasileira Internave. Esse relatório é essencialmente um estudo de viabilidade econômica do projeto Hidrovia.

  • Os aspectos físicos da Hidrovia proposta (retificação de canal, dragagem e remoção de soleiras rochosas) são fontes de preocupação significativa entre diversos segmentos de comunidades nacionais e internacionais, incluindo povos indígenas, organizações ambientais, organizações não governamentais (ONGs), associações profissionais, e universidades no Brasil, no continente Americano, e no resto do mundo. A preocupação é que o projeto Hidrovia pode causar danos irreparáveis aos alagadiços do Pantanal, um foco significante de biodiversidade no continente Americano.


5.3  Os Impactos Hidrológicos e Ambientais

Os seguintes pontos foram estabelecidos durante o curso deste estudo:

  • Os melhoramentos propostos para a navegação (retificação de canal, dragagem e remoção de soleiras rochosas) terão um impacto substancial no regime de cheias no Alto Paraguai. O grau do impacto deverá variar de pendendo do tipo e extensão da intervenção, e da sua localização ao longo do rio.

  • Durante cheias médias altas (2 anos), extraordinárias (4 anos) e excepcionais (10 anos), a retificação do canal irá acelerar a concentração do escoamento e aumentar o pico da onda de cheia em Ladário.

  • O Alto Paraguai à montante de Porto São Francisco (localizado a 146 km à montante de Corumbá) é incapaz, sem extensos aprofundamentos artificiais de seu canal, de acomodar embarcações oceânicas (com um requerimento de 3 m de calado) ao longo do ano. A planejada extensão de um canal de navegação de 3 m por todo o rio até Cáceres irá requerer grandes intervenções no canal natural.

  • O Alto Paraguai está sujeito ao fenômeno de autodragagem. Ajustando a forma e configuração de seu leito, o rio é capaz, durante vazões de estiagem, de reduzir sua descarga enquanto mantém uma cota aproximadamente constante (e profundidade mínima). No rio Alto Paraguai, essa profundidade mínima é de 1.2 m, exceto onde os afloramentos rochosos não permitem que a autodragagem se processe. Até ao ponto em que essa profundidade mínima é violada em muitos lugares, pode-se concluir que a declividade do Alto Paraguai é geologicamente controlada.

  • A remoção de soleiras rochosas como meio de aprofundar o canal de navegação irá causar um impacto irreversível na hidrologia do Alto Paraguai. Essa é a mais significativa intervenção planejada; se levada a cabo, certamente modificará o Pantanal para sempre.

  • Cartas de navegação mostram que o rio tem sido capaz de escavar um canal suficientemente profundo através da maioria de seus afloramentos rochosos. Ainda, em outros locais, onde a profundidade é mais rasa porque soleiras rochosas estendem-se para o canal, o rio ainda não escavou uma passagem. O Pantanal existe por causa dessas soleiras rochosas, as quais influenciam os padrões de escoamento regional em Amolar, Porto da Manga e Fecho dos Morros.

  • Cálculos de curvas de remanso confirmam que mudanças relativamente pequenas na profundidade do leito, as quais necessariamente ocorreriam como resultado da remoção das soleiras rochosas, podem afetar a hidráulica fluvial de montante em uma extensão muito maior do que previamente antecipado. As soleiras rochosas agem como represas naturais; se elas forem removidas, extensas áreas do Pantanal não serão mais sujeitas a inundação sazonal.

  • A remoção de uma soleira rochosa poderá ainda levar ao aparecimento de outra soleira rochosa a qual estava previamente submersa. Esta é uma possibilidade distinta no Alto Paraguai, onde a ocorrência dos afloramentos rochosos a cada 40 km em média tem sido documentada, e onde as declividades predominantes do canal são tão suaves que o efeito de remanso de uma obstrução ou protuberância de 0.5 m pode ser sentida por cerca de 400 km para montante.

  • É esperado que as modificações do canal irão desestabilizar o regime de escoamento de base e irão demandar futuras intervenções adicionais no rio para continuar a manutenção do calado mínimo requerido, i.e., irá colocar em movimento um círculo vicioso de intervenções no canal.

  • A aceleração da concentração do escoamento superficial causada pelas melhorias para a navegação irá intensificar as cheias médias altas, extraordinárias e excepcionais, potencialmente reduzir o intervalo de recorrência dos períodos de seca, e pode eventualmente causar mudanças climáticas regionais no sentido de maior aridez.

  • Picos de cheias extraordinárias e excepcionais no Alto Paraguai serão sentidos prematuramente a jusante, em Assunção, no Médio Paraguai, e em Corrientes, no Médio Paraná. A extensão precisa desse efeito permanece a ser determinada por análises posteriores.

  • Mudanças no regime de escoamento superficial do Alto Paraguai são passíveis de conduzir a aumentos substanciais no albedo médio. Em outras partes do mundo, as evidências (circunstanciais e experimentais) estão se acumulando para associar aumentos no albedo médio a mudanças climáticas no sentido de maior aridez. O Pantanal não é imune a mudanças climáticas, as quais têm ocorrido no passado geológico; o ponto a ser enfatizado é a taxa da mudança climática. Hoje é largamente aceito que mudanças climáticas resultantes de ações antrópicas são possíveis, e que elas podem ocorrer em décadas, ao invés de milênios.

  • O Pantanal existe devido ao fato de que seus cenários climático/ geológico/ geomorfológico o condicionam a reter água, sedimentos e nutrientes. Modificações no pulso de cheia anual irão causar mudanças bióticas e abióticas no Pantanal. Aumentos na magnitude das cheias irão resultar em perdas crescentes de sedimentos e nutrientes.

  • A inundação anual de extensas áreas do Pantanal serve ao propósito duplo de efetivamente controlar o esgotamento das pastagens e repor nutrientes frescos para o solo. Mais importante ainda, o pulso de cheia sazonal é fundamental para a manutenção dos campos, desde que tipos competitivos de vegetação, particularmente as espécies lenhosas, não são bem adaptadas a alternações extremas de saturação e dissecação.

  • Mudanças no regime hidrológico resultando em cheias e secas exacerbadas irão comprometer a reposição de nutrientes e provocar reduções na produtividade biótica. Essas mudanças irão produzir uma sucessão de espécies herbáceas para lenhosas, o que irá mudar o caráter dominante do Pantanal, de floresta mista de savana (ou savana parque) para florestas mais mésicas. Os campos abertos serão reduzidos, e isso terá um impacto negativo na atividade da pecuária.


5.4  Conclusões Finais

É esperado que o projeto Hidrovia tenha um impacto hidrológico e ambiental significativo no Rio Alto Paraguai e principalmente no Pantanal Matogrossense. Este último é uma região terrestre única, onde uma combinação incomum de localização continental, clima, geologia, geomorfologia e hidrologia de superfície e subterrânea, têm contribuído, através dos milênios, para o estabelecimento de um delicado balanço ecológico. Ao longo dos últimos dois séculos de ocupação humana de origem europeo, o impacto ambiental da criação de gado, considerada a atividade econômica mais importante do Pantanal, parece ter sido mínimo.

Em essência, o projeto Hidrovia busca converter uma porção dos recursos hídricos, da manutenção de ecossistemas adequados para a criação de gado em baixa densidade e habitats silvestres diversos, para a manutenção de uma hidrovia interior para o transporte de bens e produtos, primariamente para exportação. Para esse fim, o projeto propõe a escavação de um canal, suficientemente reto e profundo para ser utilizado por embarcações oceânicas, indo até Cáceres, à montante do Pantanal.

O Alto Paraguai, da sua embocadura na confluência do rio Apa até a cidade de Corumbá (uma distancia de 590 km para montante), é geralmente reto e profundo bastante para a passagem de embarcações de grande porte, excluindo uns poucos locais onde alguma dragagem pode ser requerida se o projeto de navegação for implementado até Corumbá. Todavia, à montante de Corumbá, na direção de Cáceres (uma distância de 680 km), o rio é muito raso e em alguns locais muito sinuoso para que funcione efetivamente como uma hidrovia comercial durante todo o ano. Essa é a razão porque atualmente o tráfego fluvial entre Corumbá e Cáceres é quase inexistente. A retificação e aprofundamento artificiais do Alto Paraguai até Cáceres, irão proporcionar um canal de navegação, mas ao custo de substanciais perdas de água, sedimentos e nutrientes.

Como essas perdas irão se comparar aos benefícios do projeto (reduções esperadas nos custos de transporte) é uma questão que merece uma resposta clara e definitiva antes da implementação do projeto. Isso é particular mente crucial no caso do Pantanal, onde intervenções irreversíveis no canal natural (a remoção de soleiras rochosas) têm o potencial de desestabilizar o regime hidrológico. Os ecossistemas do Pantanal são extremamente complexos, e sua miríade de interrelacoes bióticas/abióticas somente agora estão sendo amplamente examinadas (Prado et al., 1994; Heckman, 1994; e outros). A menos que todos os custos sejam efetivamente incorporados na análise econômica, o curso prudente de ação é o de preservar o status proeminente do Pantanal como o maior e biologicamente mais diversificado alagadiço das Américas e do mundo.


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   [Arriba]   [Sumário Executivo]   [Introdução]   [Descrição Geográfica]   [Rio Alto Paraguai]   [Impacto Ambiental]   [Sumário]  

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Fig. B1  Capa do relatório original.

http://ponce.sdsu.edu/impacto_hidrologico_e_ambiental_da_hidrovia_parana_paraguai.html 170129 07:15

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